quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Deputados franceses aprovam multa para cliente de prostituição: Medida é parte de pacote para coibir a prática; projeto agora segue ao Senado antes de virar lei

Proposta tem sido alvo de protestos pelo país; outro ponto é a criação de fundo de apoio a quem deixa prostituição
LEANDRO COLONDE LONDRES
O Parlamento francês deu ontem um primeiro e importante passo para punir quem for flagrado pagando por serviços de sexo no país.
Polêmica, a proposta estabelece uma multa de € 1.500 (R$ 4.800) para os clientes de prostituição. O valor sobe para € 3.750 (R$ 11.800) se a pessoa for reincidente.
A votação ocorreu na Assembleia Nacional (Câmara baixa do Legislativo), com 268 votos a favor, 138 contrários e 79 abstenções.
Para entrar em vigor, a medida que criminaliza a clientela do sexo precisa agora passar pelo Senado. Ontem mesmo, um grupo de 20 senadores pediu um exame rápido do texto na Casa para que seja aprovado. Os adversários da proposta, porém, prometem criar dificuldades.
A nova lei não saiu do gabinete do presidente socialista François Hollande, mas a ministra dos Direitos às Mulheres, Najat Vallaud-Belkacem, está entre seus principais defensores.
Os apoiadores da nova lei alegam que o foco principal da proposta é acabar com o tráfico de mulheres para se prostituírem na França.
Estima-se que 80% dos que se prostituem hoje na França (entre 20 mil e 40 mil pessoas) são estrangeiros, muitos deles traficados por mafiosos.
A multa aos clientes, dizem os defensores da punição, desestimularia o mercado de sexo no país, afetando as máfias que controlam as redes. E ainda incentivaria as prostitutas a largarem esse tipo de trabalho, legal na França.
Por outro lado, críticos da lei, inclusive do governo, como o ministro do Interior, Manuel Valls, têm declarado que o texto será na prática de difícil aplicação. Além disso, argumentam que fere a liberdade dos cidadãos que querem pagar por sexo.
Sem falar no risco que pode levar às prostitutas, sendo que muitas já foram às ruas contra a ideia que certamente atingirá seu trabalho e a relação com os clientes.
A lei em discussão na França é inspirada na Suécia, que tem legislação parecida desde 1999. A medida teria diminuído a prostituição no país em 50%. No Reino Unido, a prática não é proibida, e a punição de quem paga por sexo encontra resistências.
As autoridades francesas prometem criar um fundo, estimado em € 20 milhões (R$ 64 milhões), para ajudar as prostitutas que deixarem esse trabalho e, ao mesmo tempo, evitar a entrada de mais pessoas vulneráveis ao mercado. A fonte de recursos seria o próprio Estado, incluindo a verba das multas pagas pelos clientes.
O texto aprovado ontem em Paris também tenta coibir o mercado do sexo pela internet. Diz, por exemplo, que sites hospedados no exterior que violem a legislação local devem ser bloqueados para acesso na França ou ser punidos dentro do país.
Estão querendo criminalizar o mais honesto dos desejos
XICO SÁCOLUNISTA DA FOLHA
Multar um homem porque procura uma prostituta, seja no bairro do Pari, em SP, seja em Paris, França, é criminalizar o mais honesto e familiar dos desejos. É rasgar o contrato social avulso mais sólido da humanidade --o que não carece de cartório ou carimbos-- desde que Jean-Jacques Rousseau (1712-78) se entendeu por gente.
Parte-se do pressuposto de que a prostituta da terra do cancan é violentada e a política francesa tem que protegê-la, mesmo que ela não queira. As manifestações do Sindicato do Trabalho do Sexo na praça Pigalle, símbolo internacional da prostituição parisiense, deixaram o discurso explícito.
O temor das sindicalistas é que as meninas tenham que trabalhar escondidas em lugares isolados, vulneráveis ao assombro e ao perigo da clandestinidade. Porque não se acaba, jamé, com o amor honestamente remunerado. Nem por lei nem por decreto. Todo amor é pago. Em cédulas ou em sofrimento moral.
Ninguém sabe ao certo onde nasceu a prostituição, o tal do ofício mais antigo do mundo. Foi a França, porém, que deu todo o glamour e a reinventou quase como arte do século 19 por diante.
A história se repete como grossa ironia para gente fina e correta.
Da poesia de Charles Baudelaire, o esquisitão que inventou a modernidade, aos romances da fase parisiense do americano Henry Miller, a prostituta virou a grande metáfora de Paris --a ideia de cidade a ser penetrada pelo homem que flana, seja um local ou um estrangeiro.
A prostituta está para Paris como Nossa Senhora e as meninas dos milagres para Fátima. A capital do amor, sincero ou por dinheiro, jamais será a mesma.
Logo a França que engambelou o mundo com seus caôs, com o simbolismo superior, agora se arvora a provinciana santa do pau oco.
Sinal do fim dos tempos, evidentemente. A aldeia gaulesa, porém, resiste. No Pari ou em Paris.

    Fonte: Folha, 05.12.13


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