quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Provável premiê italiano divide população: Chamado para formar novo governo, ex-prefeito de Florença Matteo Renzi é tido como inexperiente para gerir país

Plano que retirou carros do centro da cidade deu fama ao político, que pode se tornar o mais jovem premiê da Itália
LUISA BELCHIORCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM FLORENÇA
Nem Barack Obama, nem Tony Blair. Para moradores de Florença, o líder do Partido Democrata italiano e até a semana passada prefeito da cidade, Matteo Renzi, está mais para Dante, Mussolini e até Silvio Berlusconi.
O ex-prefeito foi convocado segunda-feira pelo presidente Giorgio Napolitano a formar um novo governo, o que na prática deve torná-lo o próximo premiê da Itália.
Foi na prefeitura, seu único cargo público, que o italiano de 39 anos angariou a popularidade que deve levá-lo a ser o chefe de governo mais jovem da história do país e que o tornou celebridade na Europa em cinco dias.
O nome de Renzi tomou conta dos jornais, e as livrarias expõem nas vitrines uma fila de biografias sobre ele. Mas os florentinos não se mostram muito animados com o ex-dirigente.
À reportagem, eles elogiaram sua atuação na prefeitura, mas se disseram céticos quanto à sua capacidade de gerir todo um país e lidar com questões mais macro, como o desemprego, a economia e o gargalo político da Itália.
"Ele é ambicioso e resolveu muitos problemas da cidade. Tem um quê de Dante [Alighieri, poeta do século 13], porque também é de Florença, mas acho que é inexperiente para grandes tarefas. Vamos ver", opinou a vendedora Carla Fiouri, 56.
Renzi obteve popularidade com um amplo projeto, que fechou para os carros as principais ruas do centro histórico, desafogando a afluência de moradores e dos cerca de 10 milhões de turistas que visitam a cidade a cada ano.
PREFEITO AOS 35
O plano foi uma de suas principais medidas quando assumiu, aos 35 anos, o governo local. E também lhe valeu a simpatia dos cidadãos, mais até do que a sua oratória e carisma, similares aos de Barack Obama, e a postura juvenil, como a do ex-premiê britânico Tony Blair ao assumir o posto, em 1997.
"O centro melhorou muito. Aqui era cheio de carro e de gente na rua, era um caos", contou Alessandro Basso, dono de um restaurante no centro. "Espero que ele também faça isso com a bagunça que é nossa política".
Desde que articulou pela demissão do ex-premiê Enrique Letta, seu colega de partido, Renzi vem sendo alvo de críticas na imprensa, para quem ele garantia que nunca assumiria nenhum posto para o qual não fosse eleito por voto popular. Os jornais também têm apontado um possível despreparo de Renzi.
"Ele tem um espírito de aventura e um discurso no estilo Mussolini, que funcionou em Florença porque modernizou a cidade, mas no nível nacional é perigoso. Há a pressão da Europa por estabilidade, o problema da falta de maioria no Parlamento e a crise", avaliou o jurista Giancarlo Biase.
Ao aceitar a convocação de Napolitano, Renzi anunciou que fará um plano de reformas eleitorais, legislativas, trabalhistas, fiscal e administrativa nos próximos meses.
À frente da prefeitura, ele chegou a travar disputa com o governo nacional pela "guarda" da estátua de David, obra-prima de Michelangelo, uma das principais atrações da capital toscana.
"Cansei de ver obra aqui, mas ele nunca se empenhava para criar mais empregos ou pelos imigrantes", disse o aposentado húngaro Giovanni Sloska, 75, que vive na cidade há 23 anos e há cinco pede dinheiro na rua.
"Sei que ele é o avesso de [Silvio] Berlusconi, mas no fundo acho que ele tem esse mesmo ímpeto midiático", afirmou a vendedora de seguros Maria Spezza.
No dia a dia, Renzi circulava pela cidade a pé, em bicicleta ou no seu "smart car".
Na segunda-feira, quando desembarcou de um trem de alta velocidade, além da imprensa e de curiosos, lhe esperava também um Citröen na porta da estação.
Folha, 20.02.2014
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Linchadores e bandidos: Fruto da ausência da coisa pública como engajamento em um Patriotismo Constitucional

CONTARDO CALLIGARIS
Diminuiu a exclusão, mas será que existe uma comunidade na qual valha a pena sentir-se incluído?
Querem saber se acho que o Brasil melhorou desde os anos 1980.
Se estou de bom humor, digo que sim: falo da época em que o telefone era imóvel para investimento, a inflação transformava qualquer crédito em usura, carro usado custava mais que carro novo e comprar um notebook significava "conversar" com um comissário da Varig, para que ele trouxesse o aparelho de Miami.
Se estou de mau humor, digo que não: falo de nossos estudantes que se perdem no ranking internacional, da mediocridade de grande parte da classe política, da vagarosidade dos serviços básicos e, enfim, da produtividade pífia, da ganância e da corrupção, que tornam absurdamente caro tudo o que é nacional.
Seja qual for o humor, lembro que, nas últimas décadas, diminuiu substancialmente a percentagem dos excluídos, ou seja, diminuiu aquela miséria que situa alguém num barco à parte, na deriva e sem relação com o rumo comum.
Mas logo paro: será que, ao longo dessas décadas, constituiu-se um rumo comum? Diminuiu a exclusão, disse, mas será que passou a existir uma comunidade na qual seja possível e valha a pena sentir-se incluído? Será que existe, no Brasil, o sentimento de uma comunidade de destino, passado e futuro? Será que o Brasil, como nação, existe dentro de nós que aqui vivemos?
Na noite de 31/1, no Rio de Janeiro, um garoto de rua foi encontrado nu, preso a um poste com uma trava de bicicleta no pescoço. Ele foi seviciado por uma turma de motoqueiros vigilantes. O garoto, nas fotografias, parece um filhote esgarrado; mas cuidado com a ternura: se você o encontrasse livre, com os amigos dele, no escuro do aterro do Flamengo, você procuraria ansiosamente as luzes de uma viatura. Por outro lado, provavelmente, o bando que o prendeu lhe inspiraria um medo análogo, se não pior.
Enfim, alguns se indignaram pela ação dos vigilantes. Outros felicitaram os vigilantes, conclamando que está na hora de os cidadãos de bem reagirem.
Na Folha (pág. 3, 11 de fevereiro), o debate culminou com os artigos de Rachel Sheherazade, âncora do "SBT Brasil", e Ivan Valente, deputado federal pelo PSOL: Sheherazade cansada do "coitadismo" de esquerda, que protege os criminosos, e Valente achando que a violência dos vigilantes só gera "mais violência".
Não é preciso brigar, visto que linchadores e bandidos são filhos de um mesmo problema endêmico: aqui, a coisa pública não vingou --o Estado, para nós, é uma pompa, mais ou menos ridícula, ele não é nada dentro da gente. Se não tem coisa pública, por que eu não viveria matando quem não me entrega seu relógio? Se não tem coisa pública, por que eu não lincharia quem me assalta?
Linchadores e bandidos vingam porque não vivemos num país comum (com mesmos valores, história e antepassados para nos inspirarem). Habitamos uma zona de tiro livre, ou seja, uma área de combate em que ninguém é "dos nossos", mas tudo o que mexe é um alvo permitido.
Ao longo do debate, foi citada, mais de uma vez, a receita de Nova York nos anos 90, "tolerância zero", como se fosse uma medida de repressão. Não era. Nunca foi. "Tolerância zero" era uma estratégia para fazer existir o espaço público. Sua moral: se você não quer assaltos no parque, cuide das flores. Não deixe que mijem nos canteiros, e o número dos assassinatos diminuirá. Diminuiu.
Não é que os criminosos tenham medo de flores. É que as flores manifestam que a comunidade existe no coração e nas mentes de todos (e ela vai se defender).
Por que não haveria em nós o sentimento de uma comunidade de destino? Há razões antigas, sobre as quais se debruçam os intérpretes do Brasil. Mas há também razões imediatas. Clóvis Rossi, na Folha de 13/2: "alguém precisa aparecer com um projeto de país, em vez de projetos de poder".
Em 30 anos, desde que cheguei ao Brasil, parece que só assisti aos conflitos de projetos de poder.
Mais duas notas. 1) O sentimento de uma comunidade de destino, que é o que faz uma nação, não tem nada a ver com o nacionalismo. Ao contrário, o nacionalismo surge para compensar a falta desse sentimento. Portanto, torcer no Mundial ou, como Policarpo Quaresma, falar tupi e tocar maracá, tudo isso é uma grande perda de tempo.
2) Será que, nessa zona de tiro livre, só tem espaço para linchadores e bandidos? Não, claro, há todos os outros, que são (somos) os "salve-se quem puder" --com diferenças: alguns podem fugir para Miami, outros só podem baixar os olhos e caminhar rente aos muros.
    Folha, 20.02.2014

Protesto com aviso prévio é Constitucional?

ROGÉRIO GENTILE
SÃO PAULO - A morte do cinegrafista Santiago Andrade deu ao governo Dilma a oportunidade política de tentar colocar um certo ordenamento nos protestos de rua antes da Copa do Mundo, mas, a bem da verdade, o projeto que deve ser apresentado ao Congresso nos próximos dias não cria praticamente nada novo.
As duas principais medidas em gestação no Ministério da Justiça, a proibição ao uso de máscaras e a necessidade de os protestos ocorrerem com aviso prévio, são determinações previstas na Constituição.
Em seu artigo 5º, a lei maior já estabelece que "é livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato". O mesmo artigo determina que "todos podem se reunir pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização (...), sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente".
O projeto apenas criará "consequências" para essas determinações, criando penalidades para quem descumpri-las. O sujeito que se recusar a tirar máscara num protesto poderá, por exemplo, ser enquadrado no crime de desobediência, que prevê de 15 dias a seis meses de detenção e multa.
O uso de máscara, além de dificultar a individualização da conduta num inquérito policial, principal razão para o fato de quase ninguém ter sido punido por vandalismo desde junho, proporciona a infiltração do crime organizado em manifestações. Fato que já ocorreu, segundo investigações da Polícia Federal, pelo menos uma vez em São Paulo e em algumas ocasiões no Rio.
O protesto com aviso prévio de 24, 48 ou 72 horas, como discute o governo, também faz todo o sentido. Por que uma pessoa que não tem interesse em determinada causa não pode ser informada com antecedência que deverá evitar a avenida Paulista por conta de uma passeata? O direito de alguém protestar não pode se sobrepor ao direito daquele que prefere apenas voltar para casa.
Folha, 20.02.2014.