quinta-feira, 27 de novembro de 2014

O diabinho que habita a alma

Eliminar o racismo exige uma revolução cultural superior à eleição de um presidente negro

O que sempre me fascinou nos EUA é a mobilidade social que oferece (ou oferecia, porque a crise derrubou-a) e, por extensão, a diversidade étnica de sua população.
Surpreendeu-me, por exemplo, travar conhecimento com um afegão, o primeiro que encontrei na vida, exatamente nos Estados Unidos.
Era o taxista que me levou do aeroporto ao hotel em Denver.
Estamos falando de 1997, antes, portanto, da invasão norte-americana ao Afeganistão. O taxista, que fugia do Taleban, falou muito bem da acolhida que tivera.
Não deve ser o único imigrante feliz, a julgar pela quantidade fenomenal de estrangeiros que procuram fazer a América.
Já esqueci o número exato, mas são mais de cem os idiomas falados no serviço telefônico de emergência de Los Angeles --evidência óbvia do número e diversidade de estrangeiros que procuram a cidade.
Por tudo isso, fica ainda mais chocante a permanência do racismo, como demonstrado pelos incidentes dos últimos dias.
Depois que os norte-americanos elegeram e reelegeram um negro à Presidência, era de supor que a desconfiança recíproca entre negros e brancos fosse coisa do passado.
Engano, como escreve Michael Wines no "New York Times": "Uma nação com um presidente afro-americano e uma classe média negra significativa, ainda que em dificuldades, permanece profundamente dividida a respeito do sistema judicial, tal como estava décadas atrás".
Os números mostram os motivos da divisão: os negros são 13% da população total, mas formam 40% da população carcerária; 3% de todos os homens negros estavam presos no fim de 2013, quando a taxa entre brancos era de apenas 0,5%.
Em 2011, 1 de cada 15 afro-americanos tinha o pai preso; entre brancos, a proporção era de 1 para 111.
É inevitável que parcela importante de brancos veja um negro e pense logo num bandido, assim como um negro olha para um policial branco e vê um racista arbitrário.
Não é uma afirmação empírica: Wines cita pesquisa Huffington Post-YouGov desta semana em que 62% dos afro-americanos dizem que o policial (branco) Darren Wilson errou ao atirar no negro Michael Brown, opinião que apenas 22% dos brancos compartilhavam.
Note-se que até um líder negro destacado, como o reverendo Jesse Jackson, esconde, no fundo d'alma, um demônio racista, conforme recordou nesta quarta-feira (26) Marc Bassets em "El País".
Frase de Jackson: "Nada me dói tanto a esta altura da vida como ouvir passos atrás de mim, começar a pensar que me vão roubar e, então, olhar para trás e respirar aliviado ao ver que é alguém branco".
Foi esse sentimento desumano que plasmou toda uma legislação segregacionista durante séculos.
O fato de ela ter sido derrubada aos poucos não bastou para matar todos os demônios racistas que habitam os seres humanos.
Será preciso toda uma revolução cultural e mental, por meio de uma ativa educação à convivência, para que um negro possa sentir-se tão à vontade nos EUA como um afegão. Atenção, isso vale também para o Brasil. Clóvis Rossi. Folha, 27.11.2014.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Negro deve se organizar para ser reconhecido como igual

Para viúva de Nelson Mandela, combate ao racismo depende de mobilização, e é cedo para se falar em 'primavera africana'

FERNANDA MENADE SÃO PAULO
Quando se mudou do interior de Moçambique para a capital, Maputo, para ingressar no ensino médio, Graça Simbine estranhou o fato de ser a única negra em uma classe de 40 alunos.
Começava ali a trajetória de ativista da jovem que se formou em filosofia alemã pela Universidade de Lisboa e, de volta à terra natal, entrou para a história contemporânea da África como guerrilheira da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), ministra da Educação daquele país e viúva de dois presidentes do continente.
Ela foi casada com Samora Machel, primeiro presidente de Moçambique independente, e Nelson Mandela, ícone da luta contra o apartheid na África do Sul. "Tive o privilégio de dividir a minha vida com dois homens excepcionais", declarou certa vez.
Após a morte de seu primeiro marido num acidente de avião, em 1986, Machel manteve luto por cinco anos. Após a morte de Mandela, em dezembro do ano passado, a ativista decidiu romper o luto em poucos meses para se dedicar à luta contra o racismo, o analfabetismo e a pobreza, e pelos direitos das mulheres e das crianças.
Neste final de semana, Machel, 69, vem ao Brasil para ser homenageada na Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra, que acontece no Memorial da América Latina, em São Paulo (leia mais na página E3).
O evento sucede o Dia da Consciência Negra, celebrado nesta quinta (20). Apesar de reconhecer a importância simbólica da data, ela avalia que há pouco o que comemorar: "A família humana, ainda em 2014, tem preconceitos profundos com relação à pessoa de raça negra."
Leia a entrevista concedida à Folha por telefone.
Folha - Há diferença entre consciência negra no Brasil e na África?
Graça Machel - Sim e não. Sim porque a maior parte dos brasileiros veio da África. Mas os negros no Brasil misturaram-se com uma enorme diversidade de grupos, criando uma identidade diferente daquela dos africanos. Aqui na África, falamos em diáspora negra [imigração forçada pelos séculos de escravidão] e avaliamos que os negros no Brasil são diferentes dos negros da Colômbia, que são diferentes dos negros dos EUA, apesar de todos terem a mesma origem. Nós evoluímos e nos diferenciamos de acordo com os contextos.
Os negros, em geral, seguem em situação socioeconômica desprivilegiada em relação aos brancos. É esta a face atual do racismo?
Os negros no Brasil, nos EUA, na Colômbia e em toda a África ainda sofrem dos mesmos efeitos de serem desfavorecidos e discriminados com base na raça. A família humana, ainda em 2014, precisa reconhecer que tem preconceitos profundos com relação à pessoa de raça negra. Há razões históricas para isso, mas a história evolui e se transforma. E a pessoa de raça negra é que tem de se organizar para reclamar sua identidade e dignidade. Não há ninguém que te vai reconhecer se não valorizares a ti próprio. Cabe a nós reclamarmos o espaço e os direitos que nos são inalienáveis.
A África nunca teve tantos governos democráticos e vê hoje surgir uma pequena pequena classe média. Quais são os principais desafios do continente hoje?
Se fôssemos falar de todos os desafios, conversaríamos por uma semana inteira (risos). O principal deles é a aceitação da diferença como fator de reforço das sociedades e não de seu enfraquecimento: diferença étnica, racial, de gênero e religiosa. No nível político, precisa haver tolerância entre partidos políticos que processam de formas diferentes a construção de uma nação, cuja robustez vai se basear na busca de elementos positivos que conduzam a uma coesão social.
Um segundo desafio é a aceitação da alternância política. Em muitos casos, nós passamos de partidos únicos a democracias multipartidárias. Mas, mesmo nesse modelo, há certa resistência por parte daqueles que detêm o poder e, por isso, vemos países com os mesmos chefes de Estado há 20 ou 30 anos.
O terceiro desafio é o do crescimento econômico, que ocorre sem equidade, o que nos caracteriza como um continente com desigualdade e estratificação social gritantes.
No final de outubro, Burkina Fasso depôs seu presidente, o ditador Blaise Compaoré, que estava há 27 anos no cargo. Fala-se no surgimento de uma "primavera africana", em referência à derrubada de regimes ditatoriais ocorrida em países árabes durante 2011. Podemos assistir à queda de ditadores como Robert Mugabe (Zimbábue) em breve?
Não estou certa de que estamos diante de uma primavera africana. A derrubada do ditador de Burkina Faso é um aviso àqueles que dirigem países há décadas: o que ocorreu ali pode acontecer em outros sítios. Mas as condições são bem diversas entre países e é preciso ter cautela.
A sra. tem militado contra os chamados casamentos prematuros: arranjos em que meninas, às vezes ainda durante a infância, são submetidas a matrimônios forçados.
A questão dos casamentos prematuros forçados é um fenômeno global. Acontece na África, mas também na Ásia e na América Latina.
Quando a família está sob pressão para resolver problemas econômicos, facilmente acredita que pode entregar uma filha a um casamento para aliviar os problemas de pobreza. Mas não é a pobreza que é o problema. O problema é a crença de que há um valor diferente que se atribui a uma mulher e a um homem.
Outro exemplo: não há um único país do mundo que tenha eliminado diferenças salariais entre homens e mulheres que ocupam os mesmos cargos. Para igual trabalho, pensa-se que a mulher pode ganhar menos do que o homem. É a mesma raiz do problema. Assim como no fato de muitos homens se acharem no direito não apenas de bater como de até mesmo matar suas companheiras por causa de um conflito.
Devemos olhar para casamentos prematuros, desigualdade salarial, dificuldade de ascensão e violência contra a mulher pela mesma raiz: não se valoriza a mulher como se valoriza o homem. A questão de gênero é dos maiores problemas que a família humana enfrenta, ao lado da questão da raça. Ambos têm as mesmas características e afetam toda a sociedade. Folha, 20.11.2014.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O STF e os índios

Decretar que só as terras ocupadas por índios a partir de 1988 merecem os direitos constitucionais é apagar da memória esbulhos e injustiças

Marinalva Kaiowá morava em um acampamento de lona, nas margens de uma terra que sua parentela tentava reaver havia 44 anos. No dia 1º de novembro, duas semanas depois de ter ido com outros líderes indígenas protestar diante do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, ela foi assassinada.
A partir da década de 1940, os guarani kaiowá do Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul) foram expulsos de suas terras. Já haviam sido vítimas da invasão da Companhia Matte Laranjeira, que arrendou até 5 milhões de hectares na década de 1890. Mas a extração da erva-mate não exige desmatamento e as aldeias continuaram em suas terras.
Quando Getúlio Vargas inicia um projeto de colonização agropecuária na região e é rescindindo, em 1947, o arrendamento à Matte Laranjeira, a situação muda. Os fazendeiros, recém-titulados pelo governo do Estado, usam de todos os meios para "desinfestar" as terras dos índios.
Uns contratam pistoleiros e incendeiam as aldeias kaiowá. Outros se ajustam com funcionários do Serviço de Proteção aos Índios que, com auxílio da polícia, jogam em caminhões e confinam os kaiowá em uma das oito diminutas reservas criadas entre 1915 e 1928.
Essas reservas superlotadas, cujos recursos naturais não permitem um modo de vida tradicional, são focos permanentes de conflitos, suicídios e miséria. Contrastam tristemente com as aldeias kaiowá, as tekoha, cujo nome literalmente significa "o lugar onde vivemos segundo nossas regras morais".
Desde a década de 1940, os kaiowá nunca deixaram de reivindicar suas antigas terras. Muitos, para não abandoná-las, até se dobraram a servir de mão de obra nos chamados "fundos de fazenda".
O Mato Grosso ficou célebre por sua política anti-indígena. A Assembleia Legislativa do Estado chegou a aprovar uma lei, em 1958, que declarava devolutas as terras dos índios cadiveu. Na época, o Supremo Tribunal Federal fez um ato de justiça, até hoje lembrado: em 1961, anulou essa lei absurda.
O Supremo está outra vez em posição de fazer justiça. Mas ameaça agora fazer uma injustiça flagrante. Em 2009, o Ministério da Justiça reconheceu Guyraroká, no Mato Grosso do Sul, como sendo de ocupação tradicional indígena.
A segunda turma do STF, contrariando todos os pareceres anteriores do plenário e a posição do presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, acatou um mandado de segurança e anulou o reconhecimento pelo Ministério da Justiça.
Negou-se aos kaiowá expulsos da aldeia de Guyraroká seu direito ao retorno, por não a habitarem desde a década de 1940! É a tentativa de aplicação automática da controversa teoria do "marco temporal", segundo a qual a Constituição de 1988 só garantiria aos índios as terras que eles estivessem ocupando no dia da promulgação da Carta Magna.
Ignora-se que desde a Constituição de 1934 e em todas as que seguiram, os direitos dos índios à posse permanente de suas terras estava assegurada. E ignora-se uma história de violência e de esbulho.
A Constituição de 1988 inaugurou entre os índios guarani espoliados a esperança de que agora se encontravam em um "tempo do direito".
Como disse um líder kaiowá ao protestar recentemente em Brasília: "A coisa está tão absurda que hoje querem nos penalizar por termos sido expulsos de nossos territórios. Querem que assumamos a culpa pelo crime deles. Durante décadas nos expulsaram de nossa terra à força e agora querem dizer que não estávamos lá em 1988 e, por isso, não podemos acessar nossos territórios?".
Vivemos no Brasil um momento de recuperação da memória do século 20. O esforço para que se conheça essa história tem um motivo explícito: "Para que nunca mais aconteça".
Os kaiowá de Guyraroká lembram-se e têm nomes para cada morro e cada riacho de suas terras espoliadas. O STF também deve zelar para que não se esqueça a história e que injustiças não se repitam. Decretar que somente as terras ocupadas por índios em 1988 merecem os direitos constitucionais permite apagar da memória esbulhos e injustiças.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

O que é um povo? Análise de uma fratura biopolítica

RESUMO O filósofo italiano Giorgio Agamben discute os significados do termo "povo", que tanto dá nome ao sujeito político quanto a uma classe que é politicamente excluída, sentidos díspares que geram conflitos. O trecho faz parte do livro "Meios sem Fim: Notas sobre a Política", que a editora Autêntica lança em dezembro.
*
1. Toda interpretação do significado político do termo "povo" deve partir do fato singular de que este, nas línguas europeias modernas, também sempre indica os pobres, os deserdados, os excluídos. Ou seja, um mesmo termo nomeia tanto o sujeito político constitutivo como a classe que, de fato se não de direito, está excluída da política.
Em italiano "popolo", em francês "peuple", em espanhol "pueblo" [em português "povo"] (como os adjetivos correspondentes "popolare", "populaire", "popular" e os tardo latinos "populus" e "popularis" dos quais todos derivam) designam, na língua comum como no léxico político, tanto o conjunto dos cidadãos como corpo político unitário (como em "povo italiano" ou em "juiz popular") quanto os pertencentes às classes inferiores (como em "homme du peuple", "rione popolare", "front populaire"). Também em inglês "people", que tem um sentido mais indiferenciado, conserva, porém, o significado de "ordinary people" em oposição aos ricos e à nobreza.
Na constituição americana lê-se, assim, sem distinção de gênero, "We people of the United States..."; mas quando Lincoln, no discurso de Gettysburg, invoca um "Government of the people by the people for the people", a repetição contrapõe implicitamente ao primeiro povo um outro.
O quanto essa ambiguidade era essencial também durante a Revolução Francesa (isto é, exatamente no momento em que se reivindica o princípio da soberania popular) é testemunhado pelo papel decisivo que cumpriu ali a compaixão pelo povo entendido como classe excluída. Hannah Arendt lembrou que "a própria definição do termo havia nascido da compaixão, e a palavra tornou-se sinônimo de azar e de infelicidade -'le peuple, les malheureux m'applaudissent' [o povo, os infelizes me aplaudem], costumava dizer Robespierre; 'le peuple toujours malheureux' [o povo sempre infeliz], como se exprimia até mesmo Sieyès , uma das figuras menos sentimentais e mais lúcidas da Revolução". Mas já em Bodin, num sentido oposto, no capítulo da "República" no qual é definida a democracia, ou "Etat populaire", o conceito é duplo: ao "peuple en corps" [povo enquanto corpo político], como titular da soberania, corresponde o "menu peuple" [pessoas comuns, o povão], que a sabedoria aconselha excluir do poder político.
2. Uma ambiguidade semântica tão difundida e constante não pode ser casual: ela deve refletir uma anfibologia inerente à natureza e à função do conceito de povo na política ocidental. Ou seja, tudo ocorre como se aquilo que chamamos de povo fosse, na realidade, não um sujeito unitário, mas uma oscilação dialética entre dois polos opostos: de um lado, o conjunto Povo como corpo político integral, de outro, o subconjunto povo como multiplicidade fragmentária de corpos necessitados e excluídos; ali uma inclusão que se pretende sem resíduos, aqui uma exclusão que se sabe sem esperanças; num extremo, o Estado total dos cidadãos integrados e soberanos, no outro, a reserva -corte dos milagres ou campo- dos miseráveis, dos oprimidos, dos vencidos que foram banidos.
Um referente único e compacto do termo povo não existe, nesse sentido, em nenhum lugar: como muitos conceitos políticos fundamentais (semelhantes, nisso, aos "Urworte" de Carl Abel e Freud ou às relações hierárquicas de Dumont), povo é um conceito polar, o qual indica um duplo movimento e uma complexa relação entre dois extremos.
Mas isso significa, também, que a constituição da espécie humana num corpo político passa por uma cisão fundamental e que, no conceito de povo, podemos reconhecer sem dificuldade os pares categoriais que vimos definir a estrutura política original: vida nua (povo) e existência política (Povo), exclusão e inclusão, "zoé" e "bíos". Ou seja, povo já traz sempre em si a fratura biopolítica fundamental. Ele é aquilo que não pode ser incluído no todo do qual faz parte e não pode pertencer ao conjunto no qual já está desde sempre incluído.
Daí as contradições e as aporias a que ele dá lugar todas as vezes que é evocado e colocado em jogo na cena política. Ele é aquilo que já é desde sempre e que precisa, no entanto, realizar-se; é a fonte pura de toda identidade e deve, porém, redefinir-se e purificar-se continuamente através da exclusão, da língua, do sangue e do território. Ou seja, no polo oposto, é aquilo que falta por essência a si mesmo e cuja realização coincide, por isso, com sua própria abolição; é aquilo que, para ser, deve negar, com seu oposto, a si mesmo (daqui as aporias específicas do movimento operário, direcionado ao povo e, ao mesmo tempo, voltado para a sua abolição).
De tempos em tempos bandeira sangrenta da reação e insígnia incerta das revoluções e das frentes populares, o povo contém em todo caso uma cisão mais originária do que aquela amigo-inimigo, uma guerra civil incessante que o divide mais radicalmente do que todo conflito e, ao mesmo tempo, o mantém unido e o constitui mais solidamente do que qualquer identidade. Observando bem, aliás, aquilo que Marx chama de luta de classe e que, mesmo permanecendo substancialmente indefinido, ocupa um posto muito central em seu pensamento, não é senão essa guerra interna que divide cada povo e que terá um fim somente quando, na sociedade sem classes ou no reino messiânico, Povo e povo coincidirem e não houver mais, propriamente, povo algum.
3. Se isso for verdade, se o povo contém necessariamente em seu interior a fratura biopolítica fundamental, será então possível ler de modo novo algumas páginas decisivas da história do nosso século. Visto que, se a luta entre os dois povos já estava certamente em curso desde sempre, no nosso tempo ela sofreu uma última, paroxística aceleração. Em Roma, a cisão interna do povo era sancionada juridicamente na divisão clara entre "populus" e "plebs", os quais tinham, cada um deles, suas instituições e seus magistrados, assim como na Idade Média a distinção entre povo miúdo e povo gordo correspondia a uma articulação precisa de diversas artes e profissões; mas quando, a partir da Revolução Francesa, o povo se torna o depositário único da soberania, o povo transforma-se numa presença embaraçosa, e miséria e exclusão aparecem pela primeira vez como um escândalo em qualquer sentido intolerável. Na Idade Moderna, miséria e exclusão não são apenas conceitos econômicos e sociais mas categorias eminentemente políticas (todo o economicismo e o "socialismo" que parecem dominar a política moderna têm, na realidade, um significado político, aliás, biopolítico).
Nessa perspectiva, o nosso tempo não é senão a tentativa -implacável e metódica- de atestar a cisão que divide o povo, eliminando radicalmente o povo dos excluídos. Essa tentativa reúne, segundo modalidades e horizontes diferentes, esquerda e direita, países capitalistas e países socialistas, unidos no projeto -em última análise inútil, porém que se realizou parcialmente em todos os países industrializados- de produzir um povo uno e indivisível. A obsessão do desenvolvimento é tão eficaz no nosso tempo porque coincide com o projeto biopolítico de produzir um povo sem fratura.
O extermínio dos judeus na Alemanha nazista adquire, nessa perspectiva, um significado radicalmente novo. Como povo que recusa integrar-se no corpo político nacional (supõe-se, de fato, que toda sua assimilação seja, na verdade, somente simulada), os judeus são os representantes por excelência e quase o símbolo vivente do povo, daquela vida nua que a modernidade cria necessariamente no seu interior, mas cuja presença não consegue mais de algum modo tolerar. E na fúria lúcida com a qual o "Volk" alemão, representante por excelência do povo como corpo político integral, procura eliminar para sempre os judeus, devemos ver a fase extrema da luta interna que divide Povo e povo. Com a solução final (que envolve, não por acaso, também os ciganos e outros não integráveis), o nazismo procura obscura e inutilmente liberar a cena política do Ocidente dessa sombra intolerável, para produzir finalmente o "Volk" alemão como povo que atestou a fratura biopolítica original (por isso os chefes nazistas repetem tão obstinadamente que, eliminando judeus e ciganos, estão, na verdade, trabalhando também para os outros povos europeus).
Parafraseando o postulado freudiano sobre a relação entre "Es" e "Ich", poder-se-ia dizer que a biopolítica moderna é sustentada pelo princípio segundo o qual "onde há vida nua, um Povo deverá ser"; sob a condição, porém, de acrescentar imediatamente que tal princípio vale também na formulação inversa, que quer que "onde há um Povo, ali haverá vida nua".
A fratura, que acreditavam ter sanado eliminando o povo (os judeus que são seu símbolo), reproduz-se, assim, transformando novamente todo o povo alemão em vida sagrada votada à morte e em corpo biológico que deve ser infinitamente purificado (eliminando doentes mentais e portadores de doenças hereditárias). E, de modo diferente, mas análogo, hoje o projeto democrático-capitalista de eliminar, através do desenvolvimento, as classes pobres, não só reproduz no seu interior o povo dos excluídos, mas transforma em vida nua todas as populações do Terceiro Mundo. Somente uma política que tiver sabido prestar contas da cisão biopolítica fundamental do Ocidente poderá deter essa oscilação e colocar um fim na guerra civil que divide os povos e as cidades da Terra. Folha, 16.11.2014.
GIORGIO AGAMBEN, 72, filósofo italiano, é autor de, entre outros, "Homo Sacer" (ed. UFMG).
DAVI PESSOA, 36, é tradutor, professor de língua e literatura italiana da Uerj. 

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

DIVIDIR A CONTA: Desconto na dívida de Estados e municípios deveria usar fórmula intermediária, para que fatura não caiba apenas ao governo federal

O Senado aprovou na última semana projeto de lei que autoriza um desconto nas dívidas de Estados e municípios com a União.
A medida, por um lado, reduz juros que se tornaram excessivos e dá certa folga aos orçamentos de alguns governos e prefeituras. Mas, ao mesmo tempo, contraria a Lei de Responsabilidade Fiscal e implica prejuízos à União num momento em que cresce o desequilíbrio em suas contas.
A decisão atende a uma reivindicação antiga de administrações regionais que renegociaram seus débitos com a União na década de 1990. Os juros contratuais eram então inferiores à taxa básica da economia, a Selic, que na época chegava a superar 20% ao ano.
De lá para cá, no entanto, o quadro mudou, e os encargos da União, em vez de subsidiar Estados e municípios, ultrapassaram os cobrados na praça. No caso da Prefeitura de São Paulo, por exemplo, a dívida original de R$ 11,3 bilhões chega hoje a R$ 57 bilhões.
A nova regra, se sancionada pela presidente Dilma Rousseff (PT), reduzirá os juros reais (acima da inflação) nos saldos devedores vigentes em 1º de janeiro de 2013, passando-os para 4% ao ano ou a Selic, o que for menor.
Até aí, trata-se de alteração sensata, que repõe o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.
A armadilha está num detalhe: o substitutivo aprovado abre brecha para corrigir também os saldos devedores. A retroatividade traria encargos de dezenas de bilhões de reais para o Tesouro. A Prefeitura de São Paulo, a principal beneficiada, teria alívio de R$ 25 bilhões.
Prevalecendo a disposição para mexer no passado, o ideal seria encontrar uma fórmula intermediária, capaz de equilibrar os custos entre todos os atores envolvidos.
É preocupante, ademais, que a decisão do Congresso esteja sendo tomada de forma independente de outras que também trazem custos para a União. Nesta semana, por exemplo, a Câmara aprovou em primeiro turno o aumento das transferências do Fundo de Participação dos Municípios, com valor anual estimado em R$ 3,8 bilhões para o governo federal. Está na pauta também o debate sobre a simplificação do ICMS para pôr fim à guerra fiscal. Um dos impasses é o tamanho do fundo de compensação para os Estados que perderem receitas, uma moeda de troca para ordenar definitivamente as regras para concessão de benefícios pelos governos.
A pauta federativa é extensa, como se vê, e deveria ser tratada de forma organizada. O governo federal, porém, até agora não mostrou liderança política e competência executiva para assegurar um resultado conjunto satisfatório para todos. Corre o risco de ser atropelado e pagar a conta sozinho. Folha, 10.11.2014.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Excesso de oferta

HÉLIO SCHWARTSMAN
SÃO PAULO - Até algumas décadas atrás, estudiosos de teoria da decisão diziam sem pestanejar que deveríamos ampliar ao máximo o leque de opções. Se você precisa escolher um plano de saúde, por exemplo, quanto mais possibilidades houver no cardápio, maiores as chances de encontrar a alternativa mais adequada. Em termos lógicos, isso faz todo o sentido.
O problema é que não somos tão lógicos assim. Trabalhos de Daniel Kahneman e Amos Tversky nos anos 70 mostraram que, na hora de fazer escolhas, seres humanos recorremos a uma batelada de truques duvidosos, como ignorar evidências que não nos agradam, fiar-se em narrativas vívidas, que, se não tornam a decisão racional algo impossível, ao menos fazem com que ela seja um fenômeno menos frequente do que imaginavam os filósofos iluministas.
E uma das coisas que perturba nossa capacidade de escolher mais cuidadosamente é o excesso de ofertas. Como mostra Barry Schwartz em "O Paradoxo da Escolha", nós temos um problema quando o supermercado da esquina oferece 285 variedades de biscoitos, 85 qualidades de suco, 95 opções de salgadinhos e 61 tipos de filtro solar. Mesmo que suplantássemos nossos impulsos heurísticos e nos dispuséssemos a estudar direitinho cada produto antes de comprá-lo, isso seria quase impossível. Quanto tempo um consumidor pode dedicar à seção de bolachas?
Essa longa introdução é para falar das eleições para o Legislativo. Aqui em São Paulo, em nosso modelo de voto proporcional de âmbito estadual, o eleitor precisa escolher entre 1.486 modelos de deputado federal e 2.128 ofertas de estadual. E nenhum deles vem com rótulo.
Se queremos tornar a escolha de legisladores uma tarefa compatível com nossa capacidade de tomar decisões conscientes, é preciso adotar o voto distrital, que derrubaria as opções da casa do milhar para a mais manejável dúzia. Sem isso fica difícil. Folha, 16.09.2014.
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quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Por que nações fracassam: Diferença marcante


SÃO PAULO - Ucrânia e Reino Unido. A rigor, o problema que vivem é o mesmo: uma parte da população do país deseja separar-se para constituir uma unidade política distinta. Os processos, entretanto, não poderiam ser mais diferentes.
Na Ucrânia, a disputa assumiu a forma de uma guerra civil, na qual potências estrangeiras, notadamente a Rússia de Vladimir Putin, não cessam de intervir. Já no Reino Unido, escoceses irão pacificamente às urnas no próximo dia 18 para definir se manterão sua aliança com a Inglaterra ou formarão um país independente. Mesmo que os secessionistas prevaleçam, ninguém prevê um conflito armado. Por que a diferença?
Obviamente, há muitos fatores em operação, mas acho que a institucionalidade responde por boa parte do enigma. Enquanto o Reino Unido é uma das mais antigas democracias do planeta, com instituições políticas maduras o bastante para digerir um problema complicado como a desintegração do país, nada remotamente semelhante chegou a surgir na Ucrânia e na Rússia pós-soviéticas, onde essas questões ainda são decididas pela lei do mais forte.
Quem defende com maestria e profusão de exemplos essa teoria de que as instituições explicam (quase) tudo são Daron Acemoglu e James Robinson, autores do livro "Por Que Nações Fracassam", que recomendo.
A possível fragmentação do Reino Unido também nos coloca diante de um dos dogmas da geopolítica contemporânea que é o de que a integridade territorial dos países deve sempre ser respeitada. Será? Essa tese até faz sentido para quem vê nações como a união que a história impõe a povos e pessoas. Penso, porém, que faz mais sentido descrever um país como a vontade que indivíduos têm de construir um futuro comum e, neste caso, as fronteiras são só um detalhe. Desde que os termos sejam negociados por todas as partes afetadas, não vejo problema em redesenhar países e criar novas nações. HÉLIO SCHWARTSMAN
Folha, 10.09.2014
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quarta-feira, 16 de julho de 2014

Vange Leonel admirava o masculino, sacrilégio para certas correntes

Morta na segunda-feira (14), ativista e cantora escolheu a contracorrente

ELA GOSTAVA DE SE PENSAR FORA DOS ESQUEMAS CONSAGRADOS, INCLUSIVE NA LUTA PELOS DIREITOS FEMININOS
JOÃO SILVÉRIO TREVISANESPECIAL PARA A FOLHA
A Vange Leonel que conheci muito jovem, ainda nos tempos do grupo Somos, era admirável por seu senso de humor e inteligência, assim como pelo desejo de dialogar com seu tempo.
Casada com Cilmara Bedaque durante muitos anos, Vange era afável e inquieta ao pesquisar o que poderia constituir uma cultura lésbica.
Ela sempre manteve um olhar acurado e sofisticado sobre o lesbianismo enquanto história, estilo de vida e visão de mundo.
Tinha admiração legítima por lésbicas em tempos pioneiros, que levaram até o limite o seu desejo e sua liberdade, como as artistas da Academia de Mulheres de Natalie Barney, na Paris dos anos 1920. Escreveu uma linda peça sobre o grupo, traduziu e fez indicações editoriais sobre essas escritoras, especialmente a negligenciada Djuna Barnes, sua grande paixão.
Vange era uma lésbica que amava amar as mulheres. E que gostava muito do masculino. Vestia-se com botas lindas, coletes, correntes e roupas pouco indicadas a cocotas. Para isso não precisava botar pose de machona, pois sabia a diferença entre o macho, o machão e, mais ainda, o machismo.
Vange tinha legítima admiração pelo masculino, que lhe parecia cheio de encantos à sua disposição enquanto lésbica. Pretendia trazer ao seu feminino aquisições do masculino. "Por que não?", perguntava. Isso podia ser considerado sacrílego para certas correntes da militância lésbica e feminista que, dentro e fora do Brasil, propugnaram o separatismo de gêneros.
Vange gostava de se pensar fora dos esquemas consagrados, inclusive na luta pelos direitos femininos. Lembro de uma vez em que tiramos uma foto juntos e vestimos roupas masculinas propositalmente semelhantes. Sua botina, de estilo S&M, me encantou, e ela até me indicou onde comprar.
Era um prazer encontrar Vange (gostaria que tivessem sido mais vezes) porque, além do carinho mútuo, ela sempre me instigava intelectualmente.
Não que estivesse preocupada em ser uma "intelectual" do lesbianismo. Simplesmente amava ser o que era. Não se preocupava em seguir o mainstream, nem integrar-se a grupinhos com tendências X ou Y.
Ela preferia estar na contracorrente, longe de qualquer posicionamento dogmático. A delícia de Vange era flanar nas ondas atrevidas do seu desejo. O que me leva a pensar como ela se aproximava das posições heréticas de um Pier Paolo Pasolini.
É uma pena ficarmos privados do sorriso iluminado de Vange Leonel. João Silvério Trevisan é escritor, cineasta, ativista e pesquisador. Folha, 16.07.2014
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PARLAMENTO BRITÂNICO APROVA LEI DE REFORMA DA CÂMARA DOS LORDES

16 de julho de 2014, 08:05h -  Por 
A crise da legitimidade parlamentar é praticamente universal. A democracia representativa é uma das grandes conquistas da civilização ocidental e sua evolução pode ser associada a alguns marcos históricos, nos quais se deu a afirmação da aristocracia e da burguesia sobre o poder centralizado na figura do monarca. São exemplos disso os episódios que permitiram a aprovação da Magna Charta de 1215 e do Bill of Rights de 1689. Quanto a este último documento, é de ser lembrado que sua aprovação pelo rei Guilherme III e pela rainha Maria decorreu do sucesso da Revolução Gloriosa de 1688-1689, que destronou o rei católico Jaime II, da dinastia escocesa dos Stuart.

No século XVIII, a Revolução em França, de 1789, surgiu com idênticos propósitos aos da revolução inglesa de 1688-1689. Uma de suas fontes de inspiração foi a Revolução Americana de 1776, que aprovou uma constituição presidencialista (uma cópia do modelo britânico então existente, com a diferença de se ter um rei eleito, o presidente dos Estados Unidos), mas que também conferiu enorme importância ao Congresso. A experiência francesa é um excelente paralelo ao que ocorreu no Reino Unido, quase 100 anos antes, e sua leitura metafórica está muito bem posta no clássico de Charles Dickens, A tale of two cities (Um conto de duas cidades), de 1859. O centro da metáfora dickensoniana está em que os aristocratas britânicos uniram-se à burguesia para destronar um rei impopular, ao passo em que os franceses não souberam transformar o falido modelo absolutista e terminaram por lançar a nação em um banho de sangue.
Nos séculos XIX e XX, a participação popular no processo político-representativo tornou-se crescente e foi alimentada por outras revoluções, especificamente a Revolução Industrial e a Revolução Russa de 1917. Os britânicos, uma vez mais, souberam antecipar-se às exigências históricas e realizar reformas suaves em seu sistema político. Sob a liderança de políticos conservadores e liberais, como Benjamin Disraeli, 1o Conde de Beaconsfield (1804-1881), David Lloyd George, 1° Conde Lloyd George de Dwyfor (1863-1945), e Winston Spencer Churchill (1874-1965), o único dos três com ancestralidade nobre desde o século XVII, aprovaram-se leis que ampliaram o direito ao voto aos membros das classes trabalhadoras e que reformaram o sistema eleitoral, a fim de eliminar práticas espúrias como distritos eleitorais fantasmas (os famosos “burgos podres”) e a compra de votos.
O processo britânico de democratização radicalizou-se durante as duas Grandes Guerras do século XX. Um exemplo disso está em que Lloyd George e Winston Churchill conseguiram aprovar o Parliament Act 1911, que retirou da Câmara dos Lordes o poder de veto em matéria orçamentária, não sem antes ter ocorrido a famosa crise constitucional de 1910, na qual o Gabinete Liberal ameaçou criar 400 novos pares do Reino para a Câmara dos Lordes e obter a aprovação da lei orçamentária com uma nova maioria naquela casa parlamentar. Não é sem causa que alguns historiadores atribuem a vitória britânica em ambas as guerras à superioridade de seu regime político sobre os arcaicos modelos monárquicos das potências centrais — Alemanha e Áustria-Hungria. O fim da era czarista na Rússia, destruída pela Revolução de Outubro, é também atribuído ao anacronismo de suas instituições, dado que os russos começavam a experimentar um enorme crescimento industrial no início do século XX.
Essa radicalização democrática chegou ao século XX. No entanto, a hipercomplexidade da sociedade contemporânea revelou o esgotamento do modelo parlamentar clássico, que hoje tem de conviver com diversos e contraditórios fenômenos, que ora solapam sua legitimidade popular, ora põem em xeque a legitimidade moral desse modelo que atravessou os últimos séculos e conseguiu sobreviver a enormes desastres históricos. Algumas dessas contradições podem ser inventariadas:
a) A maior democratização do processo eleitoral trouxe para os parlamentos —em seus diferentes níveis — os representantes de setores sociais excluídos, mas também permitiu que muitos vereadores, deputados e senadores fossem eleitos, com votações estrondosas, graças a seu exotismo ou a duvidosos méritos em certas atividades.
b) Generalizou-se o alheamento do Poder Legislativo de profissionais liberais bem-sucedidos, servidores públicos qualificados, professores, médicos e outros integrantes da “classe média”. Os elevados custos de se participar das eleições e o recrudescimento de métodos sujos antes, durante e depois do processo eleitoral tornaram bem pouco atrativo o Parlamento para aquelas personagens, que, durante boa parte do século XX, ocuparam posições de protagonismo nas casas legislativas.
c) A perda de massa crítica nos parlamentos, especialmente nas câmaras altas, que eram responsáveis pela estabilização do processo legislativo, deslocou o cenário das decisões políticas fundamentais para a cúpula do Poder Judiciário, de modo específico o tribunal constitucional. O “protagonismo judiciário-constitucional relutante” é sentido não apenas no Brasil, mas em países tão diferentes como a Tailândia, a Turquia e o Egito, estes últimos em uma fase histórica de disputa (ou de busca de equilíbrio) entre os militares, o Parlamento e o Tribunal Constitucional.
d) A criminalização da política avança a passos largos e, para além da retirada de cena dos antigos líderes intelectuais da cena parlamentar, identifica-se agora a discreta saída dos capitalistas dos congressos. Evidentemente que se continuará com o ingresso sazonal de alguns líderes empresariais, que buscam um reconhecimento social de um mandato para seu êxito nos negócios privados. No entanto, os riscos para a reputação desses indivíduos, decorrente do processo eleitoral, e a perda de relevância decisória dos parlamentos têm atuado para que esse fenômeno se manifeste e não apenas no Brasil.
Um dos símbolos mais evidentes desse trágico processo de degradação da mais importante das instituições democráticas, o Parlamento, pode ser identificado na pátria da democracia representativa, o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.
Na coluna de 15 de agosto de 2012, intitulada A reforma da Câmara dos Lordes chega ao seu clímax, informou-se que o primeiro-ministro David Cameron apresentou naquele ano um projeto de reforma da Câmara Alta do Parlamento britânico. Na ocasião, expôs-se, de modo geral, a crise na qual estava imersa a House of Lords, que se submeteu a uma profunda alteração durante o governo trabalhista de Tony Blair.
O projeto, apresentado em junho de 2012, transformou-se em lei aos 14 de maio de 2014. E é sobre seus principais aspectos de que se cuidará agora.
A nova lei, intitulada de House of Lords Reform Act 20141, aplica-se à Inglaterra, ao País de Gales, à Escócia e à Irlanda do Norte (seção 7, item 4), embora suas três primeiras seções, que tratam da renúncia, do não comparecimento e da condenação por serious offence2, terão vacatio de três meses, contados de 14 de maio de 2014.
House of Lords Reform Act 2014 introduziu medidas inéditas no regime parlamentar britânico, no que se refere ao modo como são tratados os pares do reino que integram a câmara alta.
A primeira inovação está em se permitir a aposentadoria ou a renúncia de um lord (seção 1), o que era tido como algo impossível em termos constitucionais. A renúncia é irretratável e não terá efeitos retroativos, devendo ser comunicada ao Secretário do Parlamento.
Na seção 2, encontram-se as normas para o não comparecimento dos lords às sessões parlamentares. O membro da Câmara dos Lordes, que é um par do Reino e que não compareça em 1 sessão, deixará de integrar a casa no início da sessão seguintes (item 1). Essa regra só terá aplicação se for certificada a ausência pelo Lord Speaker, com bae nos registros oficiais da casa, e se o par não tiver obtido licença para se ausentar, nos termos do regimento da Câmara dos Lordes. É possível também relevar a aplicação da pena se a Câmara entender que o par encontra-se justificado por “circunstâncias especiais”, além de outras hipóteses menos relevantes.
A seção 3 prevê a hipótese de condenação do lord por serious offence (item 1). Para fins disciplinares, essa condenação só terá efeito no Parlamento se: a) o Lord Speaker certificar que a pessoa, na condição de membro da Câmara dos Lordes, foi condenado criminalmente e que a ordem judicial determinar a prisão ou a custódia por tempo indeterminado ou por mais de um ano (item 2). É irrelevante para os fins do item 2, se o crime for cometido por alguém que já é membro da Câmara dos Lordes e se a ordem judicial ou seus efeitos ocorrem no Reino Unido ou em outro lugar, desde que a casa alta entenda que seja possível aplicar o item 1 a esse tipo de condenação.
A reforma aprovada em 2014 é uma resposta “possível” a uma demanda por uma mudança substancial no Parlamento britânico. Há defensores de soluções mais radicais como a pura e simples extinção da Câmara Alta, como tem ocorrido em diversos países do mundo, ou de sua transformação em um Senado, com representantes eleitos e não mais com membros vitalícios.
Infelizmente, escândalos como a “venda” de títulos de nobreza e de vagas na Câmara dos Lordes, durante a administração do primeiro-ministro trabalhista Tony Blair, e, mais recentemente, o envolvimento de Lord Hanningfield em fraudes para obtenção indevida de ressarcimento de despesas e diárias têm minado a credibilidade da House of Lords. O exemplo do barão Hanningfield é bem característico da triste realidade da “moderna” Câmara dos Lordes: nascido em 1940, Paul Edward Winston fez carreira política como representante dos jovens agricultores e avançou nas fileiras do Partido Conservador levantando a bandeira da autonomia dos governos locais. Em 1998, ele foi nobilitado como barão e tornou-se membro da Câmara Alta. Em 2009, Lord HanningfieldLord Taylor of Warwick (filho de imigrantes jamaicanos e indicado pelo Partido Trabalhista) e os deputados trabalhistas Elliot Morley, David Chaytor e Jim Devine foram acusados criminalmente no “Escândalo das Despesas Parlamentares”.
Um paradoxo nessa crise é que a origem da maior parte dos “lordes modernos” é socialmente idêntica: pessoas oriundas de classes sociais menos favorecidas. Sendo certo também que é comprovado estatisticamente que a atual composição da Câmara Alta é a mais plural e diversificada de entre as instituições parlamentares do Reino Unido. Há mais representantes de minorias, imigrantes e de pessoas com necessidades especiais do que em qualquer outra casa parlamentar democraticamente eleita. Desde a reforma de Tony Blair, ocorrida nos anos 1990, a maioria dos lords tradicionais perderam o direito de assento hereditário na câmara alta.
O tema da reforma da Câmara dos Lordes permanecerá em destaque no Parlamento britânico.
Se a Câmara dos Lordes é hoje o símbolo da crise do modelo parlamentar, que se verifica em todo o mundo, parece ser bom lembrar que, em 2015, se celebrarão 410 anos da “Conspiração da Pólvora”, um episódio histórico até hoje lembrado no Reino Unido e cuja principal personagem, o católico Guy Fawkes, tornou-se o símbolo dos protestos ocorridos no Brasil em 2013, com a máscara usada por centenas de ativistas.
Em 1605, um grupo de conspiradores tentou assassinar o rei Jaime I durante a cerimônia de abertura do Parlamento, que ocorreria no dia 5 de novembro, na Câmara dos Lordes. Guy Fawkes, um experiente militar nas campanhas da Guerra Hispano-Holandesa, foi encarregado de minar os subterrâneos da House of Lords com barris de pólvora. A conspiração foi denunciada e conseguiu-se impedir a explosão. Os envolvidos foram presos, julgados e condenados à morte. Desde então, as noites de 5 de novembro tornaram-se data de comemoração popular no Reino Unido. É a Bonfire Nightou Noite de Guy Fawkes.
Hoje, a efígie de Guy Fawkes difundiu-se na cultura popular contemporânea graças aos quadrinhos de Alan Moore e David Lloyd, posteriormente transformados no filme V de Vingança, de James McTeigue. A máscara com o sorriso e o bigode de Fawkes converteu-se em um símbolo de rebeldia. A metáfora da tentativa de explosão da Câmara dos Lordes e do Parlamento britânico, um atentado contra um rei e os membros do Legislativo, passou por uma releitura e ganhou a simpatia de muitos “indignados”.
Com todos os problemas, o Parlamento e o modelo de democracia parlamentar ainda é a forma possível de filtragem da soberania popular e de transformação de milhões de vontades individuais em algo parecido com o sonho iluminista de uma “vontade geral” ou de uma “vontade nacional”, dois conceitos datados e que merecem ser lidos com a necessária contextualização histórica. É provável que tenha havido a reconversão histórica de um atentado contra o sistema parlamentar, por razões religiosas, no século XVII, em um desejo de implosão do “sistema”, nos dias atuais.
É preciso lembrar, porém, que foi esse modelo falido e criticado que resistiu durante os trágicos anos de 1939-1945 ao avanço das forças totalitárias do nazifascismo na decadente Europa dos anos 1930, com o apoio heróico das forças soviéticas a partir de 1941.
Em 1939, o Reino Unido fez uma declaração formal de guerra às potências do Eixo, algo que foi ridicularizado por Hitler. Essa declaração foi lida por um arauto, com trajes do século XVII, na entrada do Parlamento britânico. E, mesmo após os bombardeios a Londres e a destruição de sua sede, as Câmaras dos Comuns e dos Lordes nunca deixaram de se reunir.
Se não há mais homens e mulheres com a legitimidade ou com as qualidades daqueles tempos sombrios, isso não pode ser afirmado peremptoriamente, embora haja suspeitas a respeito de que isso é verdade. Independentemente dessa visão pessimista, o modelo parlamentar merece ser defendido, com todas suas contradições e mazelas. A democracia ainda precisa do Parlamento. A História comprova que os inimigos do Parlamento nunca desejaram outra coisa que não o poder absoluto. E não se precisa sair do Brasil para saber disso.

1A íntegra, em inglês, da nova lei está disponível em: http://www.legislation.gov.uk/ukpga/2014/24/pdfs/ukpga_20140024_en.pdf. Acesso em 9-7-2014.

2De acordo com o Serious Crime Act 2007, são assim considerados delitos como tráfico de drogas, tráfico de pessoas, tráfico de armas, roubo, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, corrupção, chantagem, crimes contra a propriedade industrial, crimes ambientais de entre outros.
Otavio Luiz Rodrigues Junior é professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

Revista Consultor Jurídico, 16 de julho de 2014, 08:05h

terça-feira, 15 de julho de 2014

Ascensão neonazista preocupa Alemanha

POR *ALISON SMALE*

DORTMUND, Alemanha - Ele é conhecido como SS-Siggi. Com sua corpulência e tatuagens dizendo "Germania", certamente parece perfeito para o papel. Há 30 anos, período que incluiu diversos desentendimentos com as autoridades, Siegfried Borchardt está envolvido na militância de extrema direita dessa sombria cidade de 600 mil habitantes. Neste mês, ele assumiu seu posto na Câmara de Vereadores de Dortmund, que tem 94 membros.
A ascensão de Borchardt esvaziou a imagem que a Alemanha faz de si mesma como país alérgico ao nacionalismo e ao populismo, sentimentos que vêm ganhando terreno em outras partes da Europa.
Dortmund é uma cidade carvoeira e um polo siderúrgico em decadência, no coração industrial do país, o Ruhr. Aqui, os empregos são escassos e a criminalidade é mais alta do que a média em alguns bairros. Quase um terço dos moradores tem origem estrangeira.
A eleição de Borchardt, em maio, tanto chocou quanto dividiu os moradores, expondo muitas tensões -não só entre os alemães nativos e os imigrantes mais recentes, mas entre os diversos grupos de imigrantes que existem na cidade. Quando Borchardt e cerca de duas dúzias de neonazistas tentaram entrar em uma festa pós-eleitoral em maio, surgiu uma briga na escadaria da prefeitura. Um grupo gritava: "Fora, estrangeiros!". O outro respondia: "Fora, nazistas!".
Quando Borchardt chegou à câmara para assumir seu posto, acompanhado por 15 de seus amigos, a polícia optou por não correr riscos. "Mais policiais que políticos", noticiou o jornal local, "Ruhr Nachrichten", em seu blog em tempo real, quando Borchardt e seus colegas foram recebidos por 200 antinazistas reunidos para vaiá-los.
Borchardt fez parte da torcida organizada Borussenfront, do time local de futebol, o Borussia Dortmund, nos anos 1980. Dortmund, desde essa época, tinha a reputação de ser um dos polos de atividade dos 9.600 alemães que o serviço de inteligência interno do país estima serem militantes ativos de extrema direita.
Um relatório apresentado pelo ministro do Interior Thomas de Maizière fez um alerta sobre a intensificação da atividade da direita, especialmente o assédio a estrangeiros e pessoas em busca de asilo. "Eles tentam constantemente envenenar a atmosfera", disse o ministro sobre os extremistas.
Alguns partidos neonazistas foram proscritos na Alemanha, mas outros conseguiram sobreviver agindo cuidadosamente para não cruzar as fronteiras da lei. O Partido Nacional Democrático (NPD) da Alemanha, neonazista, conquistou um assento no Parlamento Europeu na recente eleição da União Europeia. Os neonazistas têm representação legislativa em dois dos 16 Estados da Alemanha.
Borchardt, que não foi localizado por telefone ou e-mail para comentar, disputou o posto de vereador defendendo a agenda de combate à imigração da extrema direita, conhecida como "Alemanha para os alemães".
Ilsegret Bonke, 82, que vive há 52 anos no norte de Dortmund, é uma das poucas moradoras de etnia alemã que restam em seu bairro. Recentemente, ela assistiu com satisfação à ação policial que capturou um adolescente cigano que, segundo ela, havia arrancado sua peruca na rua três dias antes. "Eu o reconheci e chamei a polícia", disse. "Ficar de olho nos delitos dos ciganos me mantém jovem", disse Bonke sorrindo.
Khalid Moummou, 44, barbeiro nascido em Fez, no Marrocos, estava indignado.
"Vivemos com medo", disse, acrescentando que foi assaltado duas vezes nos últimos meses. Ele atribui os crimes aos ciganos vindos da Bulgária e da Romênia, dois países da União Europeia cujos cidadãos têm livre trânsito na Europa.
"Para que pago impostos?", questionou. "Viemos para cá em busca de paz e segurança -é isso que a Alemanha é. Segurança é a melhor coisa que se pode ter. Mas agora isso se foi."NYT, 15.07.14
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Reino Unido sofre crise de identidade: País busca nova imagem global após série de problemas

ENSAIO - STEVEN ERLANGER

LONDRES - O Reino Unido está deitado no divã. De repente, o país parece incerto de sua identidade, do lugar que ocupa no mundo e de suas relações com seus familiares mais próximos e seus vizinhos.

O país está tendo uma espécie de colapso nervoso, e seus amigos não sabem se deveriam dizer alguma coisa ou se devem desviar o olhar. Muitos britânicos se perguntam: "A Escócia ainda nos ama? Ela vai ficar conosco ou vai votar pelo divórcio?
Mesmo que a gente não ame a União Europeia, será que realmente queremos abandoná-la? E, se a deixarmos, a América ainda vai achar que tem uma 'relação especial' conosco, ou será que está mais comprometida com outros, como Pequim ou Berlim?"
Os britânicos se perguntam se ainda estão em condições de se sentar à mesa das potências internacionais. Mesmo que conservem seu poder de dissuasão nuclear, será que realmente querem um Exército menor do que é o Exército britânico desde Waterloo? Depois de Tony Blair, do Iraque e do Afeganistão, intervir militarmente ao lado dos americanos ficou um pouco difícil, tanto assim que o primeiro-ministro conservador David Cameron pôde perder um voto no Parlamento sobre uma questão crucial -bombardear ou não a Síria- e não se sentir na obrigação de apresentar sua renúncia.
A rainha Elizabeth 2a é fantástica, experiente e confiável. Mas e um possível rei Charles 3°? Divorciado, impaciente, intrometido -alguns sugerem que se pule uma geração para chegar diretamente ao jovem e simpático William, com sua mulher bonitinha e filhinho perfeito.
E há o estranho governo de coalizão, o primeiro em décadas, e líderes partidários aos quais falta certa dose de credibilidade. Sem falar nas discussões intermináveis sobre imigrantes todos do leste europeu, o que dirá muçulmanos. A BBC está manchada por escândalos, e, depois dos julgamentos por escutas telefônicas, até os tabloides estão tendo que tomar cuidado. E não vamos nem falar da humilhação sofrida na Copa do Mundo.
Segundo Cameron, é hora de serem restaurados os "valores britânicos", mesmo que ninguém saiba definí-los com precisão.
Uma pesquisa no Reino Unido foi reveladora. Em 2003, 86% dos entrevistados achavam que era importante falar inglês para ser considerado "verdadeiramente britânico". Hoje, 95% são dessa opinião. Enquanto em 2003 69% consideravam que era fundamental ter passado "a maior parte de sua vida" no Reino Unido, hoje são 77% que pensam assim.
"Acho que não passamos por uma fase tão atribulada desde que seu pessoal se separou de nós", disse Martin Woollacott, editorialista do "Guardian", aludindo aos Estados Unidos. O referendo escocês em setembro, a eleição geral em maio próximo e a promessa de Cameron de promover um referendo para determinar a permanência ou não do Reino Unido na União Europeia "vão afetar nosso futuro profundamente", disse ele. "Todos esses fatores podem fragmentar o Estado ou tirar o Estado da UE." Independentemente do que vier a acontecer na Escócia, disse Woollacott, "tem que haver um novo início na política britânica".
É tudo muito diferente do Reino Unido mais pobre e muito menos cosmopolita que conheci mais de 30 anos atrás, quando aqui cheguei para viver como jornalista. Na época, Margaret Thatcher tinha acabado de conquistar sua vitória militar nas Falklands. Ela mudou o Reino Unido de dentro para fora, humilhando os sindicatos militantes e impelindo o Partido Trabalhista para um necessário confronto com a modernidade. Era admirada por muitos, desde a Casa Branca de Reagan até o Kremlin.
O historiador Simon Jenkins acha que, embora o país esteja passando por um período de perplexidade, ele é hoje um lugar mais autoconfiante do que era na década de 1970. Naquele tempo ouviam-se clichês sobre "o mal britânico" e "o doente da Europa". Isso, segundo ele, não existe mais.
Mesmo assim, para ele, o país cometeu erros graves -por exemplo, "ter se aliado estreitamente demais aos EUA em sua explosão neoimperialista" sob a égide de George W. Bush. "Nos embriagamos com o dinheiro, ignoramos a desigualdade, as províncias e o lado negativo do consumismo e do crédito. E nunca fizemos as pazes com a Europa."
Quando propus a um grupo de britânicos do establishment um diagnóstico da neurose nacional, ouvi uma espécie de suspiro coletivo. David Howell, hoje barão Howell de Guildford e ex-ministro do gabinete conservador, respondeu em "The World Today", revista do Instituto Real de Assuntos Internacionais.
"Injusto?", escreveu. "Com certeza. Irritante? Muito. Mas com um tom verídico que enfurece. Não se sabe bem como, no palco mundial em rápida transformação, a história britânica parece ter ficado mais confusa."NYT, 15.07.2014