sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

"Rolezinho" sem moral (Será?)


A desaprovação se dá sem ambiguidades: 82% dos paulistanos, segundo pesquisa Datafolha, condenam a realização de "rolezinhos" nos shoppings da cidade. A opinião se dissemina, com algumas variações, por todos os estratos de idade, escolaridade e renda.
O maior índice de tolerância aos encontros de jovens moradores da periferia em centros comerciais localiza-se, como é natural, na faixa dos 16 aos 24 anos. Mas, mesmo aí, é de 70% a rejeição ao fenômeno, cujos objetivos, para a vasta maioria dos entrevistados, resumem-se a provocar tumulto.
Por outro lado, é ampla a concordância dos paulistanos (73%) com a tese de que os shopping centers não têm o direito de escolher seus frequentadores.
Embora privados, os centros comerciais têm acesso público, e seria óbvio sintoma de preconceito se barrassem a entrada de adolescentes pelos sinais aparentes de pobreza ou pela cor da pele. Como os "rolezinhos" ocorrem, em geral, na própria periferia, a hipótese não se coloca com clareza.
Sendo assim, a maioria dos entrevistados parece manter visão antidiscriminatória e, por assim dizer, republicana quanto ao uso do espaço público. Ao mesmo tempo, aprova-se a reação dos shoppings no sentido de pedirem liminares à Justiça contra reuniões desse tipo.
Talvez se possa concluir que o paulistano se expressa conforme dois prismas associados, mas diferentes, de sua identidade.
Como consumidor, seu interesse é realizar compras e passeios num clima alheio ao tumulto, à pândega, à bambochata. Como cidadão, não ignora o direito de seus iguais --ou diferentes-- de frequentar lugares públicos, sem discriminações.
Foi amplamente majoritário, como se sabe, o apoio da população às manifestações de junho --ainda que, com bons motivos, tenha sido reprovado o vandalismo que as acompanhou em certas ocasiões.
Na maioria dos casos, os "rolezinhos" não foram nem uma coisa nem outra; sua intenção política e seu potencial destrutivo parecem mais imaginários que reais.
Reprova-se, quem sabe, apenas o que são em si mesmos: sinais de vitalidade ou de bagunça, de exibicionismo festivo ou de desrespeito, a depender do grau de incômodo ou de insegurança que gerem. Nada mais grave que isso --a não ser que, por paranoia ou exaltação ideológica, se decida maximizar a dimensão de todo o rolo.
Fonte: Folha, 24.01.2014.

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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Democratizar a indústria farmacêutica: O Fundo de Impacto sobre a Saúde (HIF)

THANA CAMPOS, JOSÉ AUGUSTO BARRETO-FILHO E THOMAS POGGE
TENDÊNCIAS/DEBATES
Um novo modelo de registro permite que os medicamentos sejam distribuídos de forma acessível a toda população
Dona Maria dos Santos, 74, usuária do Sistema Único de Saúde, foi acometida por um acidente de acidente vascular cerebral (AVC ou derrame cerebral) que felizmente deixou apenas uma mínima sequela.
Seu cardiologista detectou a causa: uma arritmia cardíaca denominada fibrilação atrial. Como tratamento, sugeriu anticoagulação com varfarina. O uso desse medicamento demanda coletas frequentes de sangue para ajuste da dose terapêutica. Dadas as circunstâncias locais de onde Dona Maria reside, a realização de monitorização é logisticamente impossível. O médico sugeriu duas alternativas de medicamentos: dabigatrana ou rivaroxabana.
Essas opções cairiam como uma luva! Além de serem eficazes, dispensariam controle laboratorial regular. O único senão: o preço! O valor é inacessível para Dona Maria.
Infelizmente, essa é uma situação frequente no Brasil. A maioria dos brasileiros é privada do acesso à cobertura médica integral, como determina a Constituição, por razões econômicas. Esse fato é especialmente relevante no contexto dos novos medicamentos, introduzidos no mercado após a lei n° 9.279/96, de propriedade industrial.
Amparados por essa lei, que confere proteção intelectual por um período de 20 anos a partir do depósito do pedido de patente ou por dez anos a contar da sua concessão, as indústrias farmacêuticas são estimuladas a praticar preços exorbitantes na tentativa de recuperar o esforço de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de dado produto.
As consequências negativas desse modelo são verificadas mundialmente. Um dos projetos de reforma institucional mais promissores é o Fundo de Impacto sobre a Saúde. O HIF, na sigla em inglês, propõe o estabelecimento de um fundo global, a ser financiado por Estados, que incentiva a P&D e também a adequada distribuição de medicamentos.
O HIF propõe aos proprietários de inovações farmacêuticas que, em vez de as registrarem perante a agência de propriedade intelectual, o façam perante o fundo. Com isso, eles têm a liberdade de patentear sua inovação ou não. No segundo caso, a eles é conferido o direito de receber uma remuneração proporcional ao impacto positivo que a inovação gerar sobre a saúde da população por dez anos.
Esse modelo é vantajoso para os detentores de inovações farmacêuticas que não possuem um atrativo valor de mercado. É o caso de graves doenças que afetam majoritariamente populações pobres, as chamadas doenças negligenciadas.
Sob o modelo proposto pelo HIF, os proprietários de inovações aceitam que o produto final seja vendido e distribuído pelo produtor ao menor preço de custo. Há o incentivo de baixarem seus preços ao máximo, para assim ampliarem o acesso da população ao tratamento e, com isso, aumentarem o impacto positivo sobre a saúde pública. O HIF permite, desse modo, que os interesses dos proprietários alinhem-se aos princípios do direito humano à saúde.
Embora essas promessas pareçam distantes, o governo e acadêmicos brasileiros lançaram o projeto Asap (Acadêmicos contra a Pobreza) no Brasil, sob a coordenação do Ministério Público Federal, no qual o HIF tem sido debatido.
Queremos crer que tal iniciativa constitua um marco na busca de um sistema de saúde equânime e que, com ele, pacientes como Dona Maria possam se beneficiar, em tempo real, dos avanços da indústria farmacêutica.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Post referendum: Egypt leans towards early presidential elections

A growing number of political forces now favour electing a president before a parliament is in place – but some fear too much power will be concentrated in the leader's hands

Egyptians have finished voting on the new constitution – the first step in the transitional roadmap.
The overwhelming "yes" vote is likely to increase the feverish clamour for presidential elections to take place before parliamentary polls.
After Islamist president Mohamed Morsi was ousted in July, army chief Abdel-Fattah El-Sisi announced a roadmap to return the country to democratic rule. A few days later interim President Adly Mansour issued a constitutional declaration detailing the steps of the roadmap: a constitution referendum followed by parliamentary and presidential elections.
However, the authorities seem now likely to hold presidential elections first.
Most political forces (which support the roadmap) support the change. But some critics fear the elected president might consolidate power if there is no parliament in place.
At a series of national dialogue meetings last month between Mansour and political forces, a majority backed holding presidential elections first.
The 50-member committee which was tasked with drafting the constitution has said Mansour should decide the order of elections.
Political analyst Gamal Abdel-Gawad is one of many Egyptians in favour of holding presidential elections first.
"Holding presidential elections will enhance the authority of the state. The alliance that launched the 30 June protests will definitely split up if parliamentary elections are held first," Abdel-Gawad says.
Egyptians want a strong leader in place rather than parliamentary representation, he asserts.
He adds, "I don't believe holding presidential elections first will breach the roadmap. It is just a roadmap, not a constitution. And since there is consensus between all political parties, it is simply a political act."
Nader Bakkar, spokesperson for the Nour Party – the only Islamist party to support Morsi's ouster – is indifferent on the matter.
"At first we wanted the interim government to be committed to the initial roadmap, which said parliamentary elections would be held first, but then when we found many political parties were in favour of reversing the order, we decided to go along with the decision," Bakkar explains.
He adds that his party wants guarantees the roadmap will not be changed again.
"We wanted to elect a parliament first because we did not want the president to possess all powers without the presence of a parliament," Bakkar notes.
Many political parties have been calling for presidential elections to be held first since Morsi's ouster, according to Hossam Moeness of the Nasserist-leaning Popular Current.
"Firstly, the situation is unstable, which is why we've been calling for early presidential elections since 30 June. Parliamentary elections will lead to many disputes between parties which we don't have room for now," Moeness says.
Hundreds of people have been killed in clashes since Mohamed Morsi was removed from power on 3 July, and thousands of Muslim Brotherhood members have been arrested in a broad crackdown on Islamists.
In a similar argument, Ahmed Kahiri of the liberal Free Egyptians Party – which backed the roadmap – says electing a president first will shorten the transitional period: if a parliament is elected first Egypt will still be governed by the interim government and president.
Kahiri adds, "An elected president will have the power to plan and implement strategies for the coming period unlike the parliament."
In contrast, Strong Egypt Party spokesperson Ahmed Emam says it is not important which election comes first, but his party is worried about the president holding unchallengeable powers.
"We have had previous experience with presidents having the power to pass laws, such as the protest law and many others, without being challenged. We hope this doesn't happen again," Emam says.
The party, which was established in July 2012 by former Brotherhood member and presidential candidate Abdel-Moneim Abul-Fotouh, boycotted the constitution referendum.
Presidential advisor Mohamed El-Muslemany has said Mansour will set the presidential and parliamentary election dates shortly after the completion of the referendum.
In November, Mostafa Hegazy, presidential advisor for political and strategic affairs, said "Those working on the roadmap are serious about completing it, despite minor differences … it's not just about Egypt's transition from autocracy to democracy; we're building the country from scratch."
Swift and serious steps to develop state institutions must be taken in the next five years, he said.
Army chief Abdel-Fattah El-Sisi has repeated his commitment to a political process that includes writing a new constitution and holding presidential and parliamentary elections.
The Popular Current's leader, Hamdeen Sabbahi, is considering running for president. However, many political forces that supported his candidacy in 2012 – when he finished third – have said they will back El-Sisi if he stands.
A huge, growing campaign for the army chief to put himself up for presidential elections has been underway for sometime. If he does, El-Sisi is likely to win a resounding victory.
Quelle: Al-Ahram, 17.01.2014.
Saindo de igual ponto, Tunísia caminhou melhor que Egito
DAVID KIRKPATRICKCARLOTTA GALLDO "NEW YORK TIMES", NO CAIRO
Um país dá exemplo de diálogo e democracia que causa inveja no mundo árabe. O outro virou um estudo de caso sobre os riscos da revolução, enveredando por um caminho violento que parece descrever círculos.
Tunísia e Egito, cujas revoltas gêmeas acenderam a faísca da Primavera Árabe, servem como lição dupla sobre os perigos e potenciais da democracia na região.
No último dia 14, terceiro aniversário da fuga do ditador Ben Ali, a Assembleia tunisiana estava prestes a aprovar uma Constituição que é uma das mais liberais do mundo árabe. Angariou a aprovação do partido governista islâmico e também da oposição secular.
Os egípcios, enquanto isso, voltaram às urnas para votar no terceiro referendo em três anos a aprovar uma nova Constituição. Desta vez, é uma Carta que valida a deposição militar do democraticamente eleito presidente islamita Mohammed Mursi.
Para analistas, a diferença entre os países está na forma dos destroços deixados após a revolta em cada um. As Forças Armadas da Tunísia não tinham, historicamente, nenhum interesse no poder político. No Egito, onde os militares são uma força atuante na política desde os anos 50, os generais intervieram para afastar o ditador Hosni Mubarak e desde então nunca mais se afastaram do poder.
    Fonte: Folha, 17.01.2014.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Resultado de referendo no Egito deve sair hoje É prevista a aprovação de Carta pró-militares

DIOGO BERCITODE JERUSALÉM
Foi encerrado ontem o segundo e último dia do referendo constitucional egípcio que irá decidir a nova Carta.
É esperado que o texto seja aprovado com margem segura, mas analistas aguardam o resultado oficial do comparecimento às urnas. O resultado dos votos deve ser divulgado hoje pela manhã.
Ainda ontem, o diretor de relações públicas do Ministério do Interior, Abdel Fattah Othman, disse que a participação deve exceder os 55% e a aprovação ao texto da Carta talvez fique perto de 95%.
A nova Constituição irá substituir aquela rascunhada em 2012 pela Irmandade Muçulmana, durante a Presidência do islamita Mohammed Mursi. Com sua deposição, em julho de 2013, o texto foi suspenso pelo governo interino, apoiado pelo Exército. É o terceiro referendo nesses últimos três anos.
A Carta de 2012 havia tido 64% de aprovação em voto, com pouco mais de 30% de comparecimento às urnas.
Há no Egito mais de 52 milhões de eleitores registrados.
LÍDER MILITAR
Caso o referendo dê legitimidade ao governo interino e ao golpe de Estado egípcio, é provável que o líder militar Abdel-Fatah al-Sisi concorra à Presidência, ao que seus oponentes apontam o retorno à ditadura no país, após a insurgência árabe de 2011.
A Constituição votada nesta semana contém trechos controversos que submetem a escolha do ministro da Defesa à aprovação do Exército e possibilitam também o julgamento militar de civis.
A Irmandade Muçulmana, recentemente considerada uma organização terrorista pelo governo, defende que o pleito seja boicotado. Houve anteontem disputas envolvendo seus seguidores, com ao menos nove mortos.
    Fonte: Folha, 16.01.2014

O que fazer com o financiamento eleitoral - Cláudio Weber Abramo

Desde 2002, a Transparência Brasil realiza o acompanhamento e análise metódicos do financiamento eleitoral no país. O resultado é publicado no projeto Às Claras (www.asclaras.org.br).
Conforme muitos têm apontado (este que escreve entre eles), a característica mais marcante do financiamento eleitoral é que, no Brasil, o grande eleitor é o dinheiro. A correlação estatística entre arrecadação e número de votos recebidos é sempre elevadíssima.
Nas duas últimas eleições, descontadas transferências cruzadas entre comitês, os totais arrecadados foram de R$ 3,9 bilhões em 2010 e R$ 5,3 bilhões em 2012. Esse dinheiro tem origem em quatro fontes: recursos públicos do fundo partidário, os próprios candidatos, pessoas físicas (excetuadas os candidatos) e empresas.
O fundo partidário tem aumentado sua participação: de 1% do total contabilizado em 2002, subiu a 20,9% em 2010 e a 22,6% em 2012. Os candidatos colocaram do próprio bolso (autodoações) 8,5% em 2010 e 18,6% em 2012. Há candidatos que literalmente compram sua eleição dessa forma.
Pessoas físicas contribuíram com 10,9% do total em 2010 e 22,6% em 2012. Não se trata, porém, de pessoas comuns. Nessas duas eleições, 92% das doações de pessoas físicas foram superiores a R$ 1.000. Boa parte desse dinheiro provém de empresários que não querem que suas empresas apareçam como doadoras, de parentes de candidatos e de outros financiadores alentados. As doações de pequena monta (menos de R$ 100) correspondem a parcela minúscula: cerca de 0,3% em 2010 e em 2012.
É fácil explicar por que essas doações são tão minguadas: o eleitor não confia nos políticos ou nas instituições legislativas. Esse é o problema mais fundamental da política brasileira, que não é arranhado pelo modelo de financiamento eleitoral.
As empresas privadas, as maiores contribuintes, doaram R$ 2,3 bilhões em 2010 (59,1%) e R$ 1,8 bilhão em 2012 (34,9%). Tais doações costumam ser radicalmente concentradas. Na campanha presidencial de 2010, 743 empresas doaram R$ 648 milhões. Cinco por cento das empresas (38) foram responsáveis por R$ 408,8 milhões (63,1%) do total. (Ver um apanhado geral sobre o financiamento, com atenção sobre o custo do voto, em www.excelencias.org.br/docs/custo_do_voto.pdf.)
Esse pano de fundo numérico deve servir como subsídio para as discussões sobre a proibição do financiamento eleitoral por empresas.
Em tese, o melhor seria que eleições não sofressem interferência financeira de empresas. Na prática, é ingênuo imaginar-se que uma proibição levaria ao fim dos fluxos financeiros privados. Como o interesse de empresas em influenciar a política e o interesse de candidatos e partidos em suplantar seus adversários existem a despeito de leis, o resultado de uma vedação seria transferir para o caixa dois parte dos recursos que hoje transitam no caixa um.
Outra ficção é que a proibição resultaria em menos corrupção, uma vez que políticos deixariam de ser devedores de empresas. Como se corromper agentes públicos tivesse como pressuposto lógico a existência de contribuição eleitoral. Empresas procuram direcionar decisões políticas e administrativas todo o tempo, e os agentes públicos achacam empresas independentemente de ter havido financiamento.
Valeria a pena contemplar possibilidades sem recair em fantasias. A primeira delas seria estabelecer um teto por empresa. Isso reduziria a disparidade entre doadores, enfraquecendo o poder dos mais poderosos. Com a vantagem de que, para os grandes doadores, é mais difícil canalizar dinheiro para o caixa dois.
Outra medida seria limitar as autodoações de candidatos ao mesmo patamar das pessoas físicas (hoje não há limite). As doações destas últimas também deveriam ser limitadas a um teto absoluto, e não como é definido hoje (10% sobre a renda declarada).
A fórmula de distribuição do fundo partidário também poderia ser alterada. Hoje, o montante que cada partido recebe é basicamente proporcional ao seu desempenho na eleição anterior. Essa fórmula tende a reforçar o status quo. Reparti-lo de forma diferente ajudaria a reduzir as desigualdades financeiras em eleições.

Desafio do Multiculturalismo na Suécia e as identidades estanques na Europa do Século XXI

Desafio sueco
A Suécia "não é a Suécia", brincou em 1990 o sociólogo Ralf Dahrendorf, ironizando os que apontavam a nação escandinava como um desejável amálgama da competitividade capitalista com os ideais distributivistas. De sua perspectiva, o país real nada tinha em comum com essa bem-intencionada construção ideológica.
"A Suécia não é mais a Suécia", repetem, em outro contexto, grupos organizados de direita naquele país. Tornou-se uma "espécie de suedistão", afirmam, dado que 27% dos seus 9,5 milhões de habitantes têm origem estrangeira.
São 2,5 milhões de "estrangeiros", dos quais 1,4 milhão nascidos fora do país, sendo os demais filhos de um ou dois genitores sem origem sueca. Pouco importa se a maior parte dos imigrantes vem da vizinha Finlândia, ou se há mais dinamarqueses do que turcos, e mais ingleses do que indianos, nesse disputado território.
O alto contingente de iraquianos e iranianos e a crescente população de origem síria devem-se em boa medida ao fato de a Suécia ser especialmente flexível na concessão de asilo a refugiados, que representam 12% dos imigrantes.
A grande proporção de estrangeiros na Suécia --embora os muçulmanos não sejam mais que 5% da população-- acompanhou-se nos últimos anos do fortalecimento de plataformas xenófobas na política. O partido intitulado Democratas Suecos, que contava com 0,02% do eleitorado em 1998, passou a 5,7% em 2010, constituindo uma bancada de 20 deputados entre os 349 que compõem o Parlamento.
Em dezembro, cerca de 50 militantes armados atacaram uma passeata antirracista, deixando dezenas de feridos. Como resposta, atos maciços de repúdio se organizaram às vésperas do Natal.
Mas a mobilização pela tolerância e pelo multiculturalismo, sem dúvida necessária, corre o risco de tornar-se inócua com o passar do tempo. "Tolerar" o estrangeiro e o muçulmano, como bem observou o polêmico filósofo esloveno Slavoj Zizek, é algo que oculta mal o incômodo, ou a repulsa, que sua presença não obstante pode inspirar.
Estratégias de convivência, de troca, de diálogo, são mais amplas do que a mera tolerância; paradoxalmente, a ideologia multiculturalista pode frustrá-las se insistir na preservação de identidades étnicas e religiosas estanques, avessas a uma integração real e enriquecedora para todos os lados.
É o desafio de inúmeros países desenvolvidos; se a Suécia for, em parte, a Suécia que se imagina, seu papel não será pequeno na busca de caminhos para enfrentá-lo.
Fonte: Folha, 16.01.2014
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