terça-feira, 29 de abril de 2014

'Não vai ter Copa'

Brasília
"Desculpe, Neymar, mas nesta Copa eu não torço por vocês" -eis uma música inesperada de se ouvir num país louco por futebol, prestes a receber o maior torneio esportivo do mundo.
Neymar é o atual deus do futebol brasileiro, o time da casa é um dos favoritos para ganhar a próxima Copa do Mundo, e seus cinco títulos superam o que qualquer outro país já conseguiu.
No estilo cáustico que caracterizava a MPB durante a ditadura, essa letra de Edu Krieger reflete o amplo descontentamento que antecede à partida inaugural, daqui a menos de dois meses.
"Não vai ter Copa" é o grito de guerra dos manifestantes, que estão regularmente nas ruas desde junho do ano passado.
Hoje, é mais provável que os brasileiros se envolvam com protestos contra a corrupção generalizada e o desperdício de dinheiro público do que com a renovação das rivalidades internacionais que ocorre a cada quatro anos.
Bilhões de reais em verbas públicas estão sendo gastos em estádios que dificilmente serão usados depois da Copa, enquanto o governo negligencia investimentos, como uma nova linha de trem em São Paulo.
"No Carnaval, todos os blocos explodiam com o 'Não Vai Ter Copa'. Foi o melô do Carnaval", disse o escritor e cineasta João Paulo Cuenca, 35, que mora no Rio.
O clima que acompanha o torneio desta vez é amargo. "A cada Copa do Mundo, o Rio fica cheio de ruas pintadas, competindo entre si. Agora, é como se a Copa não existisse."
O futebol é o mais forte vínculo da vida brasileira, então não surpreende que a Copa do Mundo tenha virado um catalisador para a expressão de insatisfações.
Os sinais de corrupção abundam: enormes estouros orçamentários nos projetos dos 12 estádios para o Mundial, escassas melhorias da infraestrutura e serviços públicos ruins. Em um país sem uma forte tradição de engajamento político, as pessoas podem não acompanhar o noticiário, mas todo mundo lê os cadernos esportivos.
Lá elas ficam sabendo, por exemplo, que o Estádio Nacional Mané Garrincha, em Brasília, que foi demolido e reconstruído, custa 17 vezes do que a estimativa da Fifa, entidade que organiza a Copa do Mundo.
Há relatos de que o teto do estádio ainda tem goteiras, e que o governo está desviando dinheiro de outros projetos para tentar resolver o problema.
Como é ano de eleição, a Copa representa um holofote voltado sobre o Partido dos Trabalhadores, no poder há 12 anos.
Após dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva e quatro anos da sua protegida Dilma Rousseff, o Brasil se tornou a oitava maior economia do mundo.
A possibilidade de exibir suntuosos novos projetos para um público internacional foi uma das razões que levaram o Brasil a cortejar o torneio; realizar uma Copa do Mundo bem sucedida é um teste no qual o PT está desesperado para ser aprovado.
O aumento das expectativas populares representa outro desafio para o partido. Os programas sociais promovidos por Lula transformaram 40 milhões de brasileiros pobres em consumidores, a chamada "nova classe C", que, junto com a classe média tradicional, está reivindicando melhorias na saúde e educação.
Mas o Rio se tornou uma das cidades mais caras do mundo, e os brasileiros médios sentem que pagam demais por muito pouco. Há a sensação de que a Copa não é para eles. "Copa para quem?" é outro lema dos protestos.
A Copa do Mundo também coincide com o 50°. aniversário do golpe de Estado de 1964, um tema delicado para Rousseff, que foi presa e torturada durante a ditadura. Os excessos daquele passado militar ecoam nas medidas de pacificação que antecedem a Copa em bairros pobres.
O que começou como um esforço para erradicar quadrilhas de traficantes nas favelas se tornou uma força de ocupação repressiva, apoiada por tanques. Milhares de famílias foram despejadas.
O jornalista Bruno Torturra, 35, de São Paulo, fundou a Mídia Ninja, organização dedicada a cobrir protestos e a violência ignorada pela maior parte da imprensa, tanto a policial como a das quadrilhas.
"As pessoas se lembram do dia em que o Exército confiscou nossos direitos em 1964, e nesse mesmo dia [em 2014] forças nacionais invadiram o Complexo da Maré e brutalizaram os pobres. Agora, as pessoas estão sendo literalmente torturadas e mortas".
Vídeos de tanques passando entre crianças nos becos e de meninas sendo derrubadas a chutes por policiais militares circulam nas redes sociais sob a "hashtag" #NaoVaiTerCopa. Há temores de que a repressão irá se agravar.
A Fifa pressiona o governo a aprovar a chamada "Lei da Copa", permitindo que qualquer manifestante seja tratado como terrorista e preso sem julgamento.
Essa abordagem autoritária copia outros governos latino-americanos, intensificando as preocupações a respeito das liberdades individuais.
Uma lei que criminaliza os protestos está sendo cogitada na Argentina, e na Venezuela as manifestações da oposição são marcadas pela brutalidade policial e pela prisão de estudantes sob a acusação de terrorismo.
Os líderes esquerdistas de hoje mostram uma alarmante disposição para adotar as técnicas brutais da velha direita.
Quando os protestos começaram, Rousseff, que disputa a reeleição em outubro, observou que eles eram um sinal de um Brasil que mudou; hoje em dia, as pessoas acham que merecem mais.
Numa bravata típica da América Latina, Rousseff recorreu à máxima manobra populista: ela sabe que, se o Brasil ganhar a Copa, tudo será esquecido. No final, tudo depende de Neymar e da torcida brasileira. NYT, 29.04.2014
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JOEL RUFINO DOS SANTOS: Banana é bom e faz crescer

Desde que o futebol virou uma profissão, craques negros são hostilizados. A vergonha de ser racista é que acabou, ou está acabando
Há 70 anos, havia consenso entre os analistas sobre o declínio do racismo antinegro no Brasil. Modernização capitalista, miscigenação intensa e continuada garantiam essa previsão. A promiscuidade entre as raças, para o bem e para o mal, impedira a segregação --que marcava, essa sim, o caso norte-americano.
Os brasileiros negros, quando se organizavam em clubes recreativos, de autoajuda, escolas noturnas profissionalizantes, declaravam querer isso: integrar o negro, fazendo-o valer mais no mercado de trabalho para, dessa forma, participar do progresso nacional. Queriam se sentir tão ou mais brasileiros que os outros.
Após 125 anos do fim do escravismo --do escravismo, porque o trabalho escravo ainda existe--, as manifestações de racismo antinegro explodem nos estádios brasileiros.
Muitos se surpreenderam com a agressão da torcida do Mogi ao meia Arouca, do Santos, em março, no dia seguinte à agressão sofrida por um juiz no Rio Grande do Sul. No entanto, desde que o futebol virou uma profissão, lá por 1930, grandes craques negros --um Fausto, um Jaguaré, um Valdemar, um Leônidas, um Zizinho, um Pelé-- e pequenos, cujo número é infinito, foram hostilizados e prejudicados pelo racismo. Os que agora se surpreendem --cronistas, apresentadores, jogadores, técnicos-- não aprenderam na escola como nosso país se formou. De brincadeira, vão dizer que faltaram a essa aula. Não sejam rigorosos consigo mesmos, os que foram à escola não tiveram essa aula. Monteiro Lobato confessou que a única coisa que se lembra da história do Brasil é que o bispo Sardinha foi devorado pelos caetés.
Todos sabem que o Brasil teve escravidão. Alguma coisa nos impede de saber mais. Em alguma aula do curso elementar, nos disseram que "os negros foram escravos porque os índios não se adaptaram à escravidão". Como se diz na gíria, fala sério. A escravidão de índios no Brasil foi a maior da América do Sul, durou 250 anos. A dos negros, 350. O racismo, antinegro e anti-índio, é uma das colunas da formação brasileira.
O nosso racismo é envergonhado, tanto que alguém acusado de preconceito e discriminação racial se defende dizendo que tem amigos e, às vezes, até parentes negros. Diante de uma ofensa racista, sentimos vergonha pelo ofensor --no fundo, de nós mesmos. Tinga e Arouca são artistas doces e inteligentes da bola, que vergonha por quem os agrediu! Temos racismo em todas as suas formas --o preconceito, mais brando, a discriminação, mais eficaz, o racismo propriamente dito, estrutural, que organizou as nossas relações de trabalho, nossos hábitos, nossa moral pública.
No Carnaval, um bloco cantou: "Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é?". O que se insinua aí é que todos sabem que ele é, mas precisam comunicar a condição do Zezé. Bom, essa é uma peculiaridade do racismo brasileiro: como tem vergonha de ser, é preciso uma rede Brasil curtir a novidade, sem exceção. O país sempre foi racista --e chega a comover o esforço de militantes do movimento negro para convencer o Brasil do óbvio.
Por que a perda da vergonha? Um dos vetores deve ser a barbárie, palavra que tem milhares de acepções. Aqui é a vida que transcorre toda no estágio dos instintos primários: reproduzir, comer, sobreviver. Ou dito de outra maneira: sexo, consumo, violência. Há uns 50 anos, a vida do mundo civilizado parece caminhar para trás, não se diferenciando mais da vida primitiva. Não há hoje povo conhecido sobre a Terra que seja bárbaro. Todos criaram uma teia, às vezes fina, às vezes densa, de civilização --poesia, música, curiosidade intelectual, língua, filosofia, fundamento (outro nome de tradição) e destino (transcendência). Salvo as massas urbanas. Essas estão prontas, "everytime", "everywhere", para o espetáculo das torcidas organizadas.
A vergonha de ser racista é que acabou, ou está acabando. Se na Copa pularem feito macacos atirando bananas no campo, dou meu conselho aos jogadores negros. Façam como Daniel Alves esta semana: descasquem as bananas e comam. Essa também é uma tradição brasileira: o que vem a gente traça. No final do processo digestivo, a ofensa se transformará no que verdadeiramente é --aquela "coisa" amarelada.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Camarotes de VIPs são uma ameaça ao espírito democrático: Filósofo critica 'camarotização' de estádios e afirma que vida comum saudável depende de espaços públicos com mistura de classes

RAUL JUSTE LORES - DE WASHINGTON
O curso "Justiça" fez o filósofo Michael Sandel, 61, virar um dos professores mais populares da história da Universidade Harvard. Suas aulas foram vistas por mais de 12 milhões de pessoas on-line e exibidas como séries nas redes públicas de TV PBS e BBC.
Neste mês, participará do evento "Fronteiras do Pensamento", com palestras em São Paulo e Porto Alegre sobre seu livro "O Que o Dinheiro Não Compra - Os Limites Morais do Mercado" (editora Civilização Brasileira).
Nessa sua última obra, o professor diz que a entrada do dinheiro em diversas áreas "corrompe" seus objetivos. Cita exemplos: da escola em Israel que começou a cobrar de pais que chegavam atrasados para buscar seus filhos ("como se tornou um bem a ser pago, o constrangimento diminuiu e o número de pais atrasados aumentou") à compra de sangue ("a doação caiu quando começou a ser tratada como produto").
Ele diz que faltam "perguntas e debate" para saber em quais espaços o mercado é bem-vindo ou não. Sandel recebeu a Folha em seu escritório em Harvard.
Folha - O sr. critica a "camarotização" da vida pública nos EUA, onde se paga para ser VIP. Onde não há mistura de classes e convívio, o bem público e o espírito democrático estariam em risco. Como desenvolver esse espírito?

Michael Sandel - Nos EUA, as elites parecem desesperadas em não se misturar com os demais. Vida comum é saudável, e uma democracia vibrante precisa de lugares públicos que misturem diferentes classes. A camarotização é uma ameaça à democracia, ao espírito do bem comum. Os esportes costumavam ser essa arena. Mas a camarotização dos estádios tem repetido a segregação.

No Brasil, a insegurança produziu uma sociedade ainda mais segregada.
O maior erro é pensar que serviços públicos são apenas para quem não pode pagar por coisa melhor. Esse é o início da destruição da ideia do bem comum. Parques, praças e transporte público precisam ser tão bons a ponto de que todos queiram usá-los, até os mais ricos. Se a escola pública é boa, quem pode pagar uma particular vai preferir que seu filho fique na pública, e assim teremos uma base política para defender a qualidade da escola pública. Seria uma tragédia se nossos espaços públicos fossem shoppings centers, algo que acontece em vários países, não só no Brasil. Nossa identidade ali é de consumidor, não de cidadão.

O sr. conta que a associação de aposentados americanos não convenceu advogados a trabalhar por honorários baratos para seus sócios. Mas que eles aceitaram trabalhar de graça. A filantropia americana não seria diferente se não houvesse vantagens fiscais e uma lei taxando heranças?
Incentivar filantropia é bom. Promover a dedução de impostos nesse caso é uma declaração pública de que doações são hábitos que queremos encorajar. Mas, em outros casos, incentivos podem ser danosos. Oferecer dinheiro para que alunos leiam livros pode ser corrosivo. Se acharem que ler é um trabalho que merece ser pago, vai ser difícil descobrirem que é prazeroso, que os faz seres humanos mais reflexivos.

No Brasil, onde a cultura da filantropia é menos comum, alunos e professores protestaram contra batizar classes com nomes de doadores, mesmo estando em universidades públicas. Quando é legítimo advogar por mais mercado?
Sou cético sobre batizar bens ou espaços públicos e cívicos com nomes corporativos. Nos EUA, temos viaturas policiais, carros de bombeiros, propaganda em escolas, em peruas escolares, nos uniformes e nas lanchonetes. Principalmente nas escolas, prefiro um certo santuário, certa distância do marketing.
Nas universidades, é diferente. Universitários são mais maduros, menos impressionáveis que crianças. Sempre devemos nos perguntar quando algo corrompe. O prédio em que estamos aqui em Harvard é batizado com nome de doador. Nesse caso, isso não afeta a maneira como dou aulas ou o comportamento dos alunos.

No Brasil, há extremos opostos ao que o sr. descreve. Esperamos muito do governo, mesmo com alta carga tributária e má qualidade dos serviços.
Às vezes, mais mercado é necessário. Meu livro não é contra o livre mercado. É contra os excessos, o domínio de cada aspecto da vida. Mercado é ferramenta para organizar uma economia produtiva. Mas não pode regular tudo: política, lei, espaço público, saúde, educação. Há burocracias ineficientes em fornecer serviços. Agências governamentais às vezes têm um poder que não presta contas, o mercado é mais eficiente em algumas áreas.
Quando o poder é muito concentrado, seja nas mãos do governo ou de oligopólios privados, há espaço para ineficiência e corrupção. Governos de vários países tinham companhias aéreas. O setor privado tampouco é muito bom nessa área, mas não há razão para subsidiar com dinheiro público esse setor.

Por que o sr. é contrário ao crédito de carbono [certificado para pessoa ou empresa que reduz emissão de gases do efeito estufa e que é negociável no mercado internacional]?
Precisamos ter um imposto sobre emissões que faça cada um pagar o preço do estrago. Minha preocupação é que esse mercado de créditos permita aos países ricos fugir de seus sacrifícios compartilhados. Pode ser "eficiente" para os economistas que os ricos paguem para continuar poluindo, mas isso não cria uma ética de longo prazo de que todos precisamos mudar nosso estilo de vida.

O sr. já esteve no Brasil, falando de seu livro "Justiça". O conceito de jeitinho brasileiro denota uma moral elástica quanto ao cumprimento de leis. O sr. ouviu questões diferentes sobre justiça no país?
Os brasileiros me pareceram preocupados com corrupção. Minha primeira visita aconteceu quando o julgamento do mensalão começava. Depois, vieram protestos contra o aumento das tarifas e o desperdício na Copa e na Olimpíada. Minha segunda visita foi logo depois, em agosto, testemunhei um desenvolvimento surpreendente no ativismo cívico. Para todos que perguntava, havia simpatia pelos protestos.
Fiquei surpreso com o fato de que a maioria achava que mudanças aconteceriam. As expectativas eram muito altas. Temo pelo efeito da desilusão na energia cívica.

O sr. diz que a crença no poder do mercado esvaziou o debate público. Por quê?
Há uma hesitação em trazer argumentos morais para a praça pública. A fé no mercado tem ocupado todo o discurso nas últimas três décadas. Se os mecanismos de mercado pudessem resolver todos os problemas, haveria pouco espaço para a deliberação democrática.
Em sociedades pluralistas e multiculturais como as nossas, pessoas discordam sobre questões fundamentais. Para evitar controvérsia, os políticos se calam. Há tanta frustração no mundo com a política, os partidos, os políticos porque não há respostas para o que mais interessa. A política acabou sendo dominada por retórica de gerenciamento, tecnocrática, que evita falar dos grandes temas.

A crise de 2008 ajudou a eleger Obama como presidente da "mudança". Por que tão pouco mudou?
Nos anos 1980, [o presidente americano Ronald] Reagan e [a primeira-ministra britânica Margaret] Thatcher vieram com uma ideologia explícita que dizia que o mercado tinha resposta para tudo e que o governo era o problema. Foi o triunfalismo de mercado.
Só que eles foram sucedidos pela centro-esquerda, do [primeiro-ministro Gerhard] Schroeder, na Alemanha, a Tony Blair [primeiro-ministro britânico] e Bill Clinton [presidente americano], que não questionaram a questão dos mercados. Eles consolidaram a crença de que o mercado tem resposta para tudo. É o debate que está faltando: onde o mercado serve ao bem comum e onde ele não serve. Folha, 28.04.14

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Defesa de cota racial sofre derrota nos EUA: Suprema Corte invalida mecanismo em universidades de Michigan, sustentando resultado de referendo em 2006

Decisão vale para mais sete Estados que acabaram com as cotas por meio de consultas junto à população
ISABEL FLECKDE NOVA YORK
Os defensores de ações afirmativas sofreram ontem uma significativa derrota na mais alta instância da Justiça americana. A Suprema Corte sustentou, por 6 votos a 2, o resultado de referendo realizado em 2006 em Michigan, que determinou a proibição de cotas raciais em universidades públicas do Estado.
Com isso, veta qualquer "tratamento preferencial a indivíduos ou grupos com base em raça, sexo, cor, etnia ou origem" na admissão a instituições públicas de ensino superior de Michigan.
A decisão é mais ampla, no entanto, porque acaba endossando medidas semelhantes tomadas em outros sete Estados americanos, como Califórnia, Flórida, Arizona e Nebraska. Pode ainda servir de impulso para que grupos contrários às cotas pressionem pela realização de plebiscitos em outros Estados.
Para os juízes, a Corte "não tem autoridade" para invalidar a legislação aprovada no referendo, que teve 58% de aprovação. "Este caso não é sobre como o debate de cotas deve ser resolvido. É sobre quem pode resolvê-lo", disse o juiz Anthony Kennedy.
Um dos votos contrários foi de Sonia Sotomayor, a primeira juíza de origem hispânica da Corte e a de visão mais "progressista". Ela foi indicada por Barack Obama.
Para ela, a decisão coloca às minorias um obstáculo que não é enfrentado por outros candidatos e, por isso, viola a defesa da igualdade pela Constituição dos EUA.
"A Constituição não protege as minorias raciais da derrota política. Mas também não dá à maioria sinal verde para erguer barreiras seletivas contra elas", disse.
APOIO
Segundo uma pesquisa publicada ontem pelo Pew Research Center, 63% dos americanos consideram as cotas raciais em universidades uma coisa "boa".
Entre os brancos, a aprovação das ações afirmativas cai um pouco, mas ainda é majoritária: 55%.
Apenas entre os republicanos os que aprovam são menos de 50%.
O levantamento foi realizado entre fevereiro e março deste ano, com 3.335 adultos dos 50 Estados americanos e do Distrito de Columbia, onde fica a capital do país, Washington.
Grupos de defesa das ações afirmativas lamentaram ontem a decisão da Suprema Corte. "O acesso ao ensino superior é a base da mobilidade econômica, principalmente para os estudantes de baixa renda e de minorias", disse o presidente da organização Conferência de Liderança em Direitos Civis e Humanos, Wade Henderson.
"A decisão de hoje tornou mais difícil para os alunos de minorias em todo o país buscarem o sonho americano", declarou.
Segundo um levantamento feito pelo jornal "New York Times", nos Estados que proíbem ações afirmativas, caiu o número de negros e latinos inscritos nas universidades mais concorridas.
No Estado de Michigan, por exemplo, a proporção de calouros negros caiu, desde 2008, pelo menos dois pontos percentuais tanto na Universidade de Michigan como na Michigan State. Folha, 23.04.2014