quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Do pesadelo ao sonho americano: Explorada pelos patrões brasileiros ao chegar nos EUA, babá virou professora universitária, diretora de centro de imigração e hoje luta por melhores condições para empregados domésticos no país

RESUMO Há 20 anos, a brasileira Natalicia Tracy desembarcou nos EUA acompanhada de um casal de médicos, também brasileiros, que a contrataram para ser babá por um período de dois anos, enquanto eles realizariam pesquisas em um hospital de Boston. Ela pretendia aproveitar a oportunidade para ir à escola, aprender inglês e, assim, procurar um novo emprego quando voltasse. Porém, foi impedida de estudar, de falar com a família e submetida a condições degradantes. Hoje, ela é ativista, diretora do Centro do Imigrante Brasileiro em Massachusetts e Connecticut e uma das lideranças na ampliação dos direitos dos trabalhadores domésticos no país.
(...) Depoimento a
JOANA CUNHADE NOVA YORK
Eu entrei nos Estados Unidos há 20 anos com documentação em dia: tinha um visto pelo contrato de babá para cuidar da criança de um casal de médicos brasileiros, que veio morar aqui para desenvolver pesquisas em um hospital em Boston.
Quando ainda estávamos no Brasil, eles me prometeram que eu poderia estudar, conhecer a cultura americana e aprender inglês, que era o que eu mais queria, porque eu só tinha estudados até a oitava série.
Viajei cheia de expectativas, mas não foi isso o que aconteceu quando cheguei.
Além de cuidar da criança de três anos, fiquei responsável por todo o trabalho doméstico: cozinhar, lavar e passar. Isso acontecia de segunda a segunda, sem folga.
Não me deixaram ir para a escola. E logo tiveram uma segunda criança, o que aumentou o meu trabalho e acabou com o meu sonho de estudar inglês.
No começo, me deram um quarto, mas depois, como recebiam muita visita, me colocaram para dormir em um colchão no chão da varanda.
O local era protegido apenas por um vidro bem fininho, e quando chegou o inverno, eu tinha que cobrir o chão com jornais e usava o aquecedor portátil.
Fiquei doente e tive uma reação alérgica por causa de um produto para limpar o tapete. Não me levaram ao médico, mas permitiam que eu usasse o restante do produto de inalação da criança.
Comida, me davam só quando sobrava. Caso contrário, eu tinha de comprar.
Mas eu só podia escolher um sanduíche de US$ 1,00 no McDonald's porque o meu salário era de US$ 25 semanais.
Pegaram o meu passaporte dizendo que iam renovar o meu visto de trabalho, mas nunca renovaram. Eu fiquei ilegal nos Estados Unidos.
Quando eu pedia para estudar, a mãe dizia que eu era ingrata e que qualquer pessoa na minha situação beijaria o chão onde ela pisasse por ter me dado a oportunidade de estar em um país de primeiro mundo.
O pior de tudo foi terem me impedido de me comunicar com a minha família no Brasil. Diziam que o telefone era muito caro e não permitiam que eu colocasse meu nome na caixa de correio da casa deles. Naquela época, o carteiro não deixava as correspondências se o nome não estivesse na lista.
Dois anos se passaram e, quando chegou a hora de eles voltarem ao Brasil, eu pedi para ficar no país.
Quando eu andava na rua, sem saber falar inglês com ninguém, pensava até que seria melhor se um carro me atropelasse. Então, aprendi algumas palavras com um pequeno dicionário que eu trouxe na bagagem.
Achei no jornal de anúncios um emprego de babá para uma família americana. Eles me deram quarto, roupas novas, me pagaram o transporte para eu ir à escola e não aceitaram a minha oferta para trabalhar de graça. O meu salário era de US$ 100 por semana.
Fui para a faculdade, me casei com um americano, fiz mestrado e estou terminando o meu doutorado em sociologia na Boston University. Conheci a comunidade brasileira e me envolvi com o centro de imigração.
Hoje, sou professora na University of Massachusetts Boston e diretora-executiva do Centro do Imigrante Brasileiro em Massachusetts e Connecticut.
Em parceria com outras organizações, lutamos para ampliar os direitos dos trabalhadores domésticos nos Estados, uma questão sensível para a comunidade brasileira.
Muitos trabalham por hora na limpeza doméstica, mas os direitos são pouco reconhecidos nesses contratos.
Me engajei nisso por causa da minha própria existência.
A gente que vem de família mais simples está muito acostumado a respeitar autoridade. Eu sabia que eu era invisível para eles, mas não questionava.
Hoje, depois de estudar, eu compreendi que o que os meus patrões brasileiros fizeram comigo naquela época foi tráfico humano.
Fonte: Folha, 28.11.13.

Primavera Paraguaia - Protestos contra a corrupção

Comércio boicota senadores como protesto no Paraguai
LÍGIA MESQUITADE BUENOS AIRES
O "gigante acordou" no Paraguai. O país vive uma onda de protestos como os que ocorreram no Brasil, em junho. A novidade na "primavera paraguaia" é a adesão de restaurantes, shoppings, postos de gasolina e até taxistas às reclamações pelo fim da corrupção no país. Desde o dia 15, quando houve uma grande passeata em Assunção, teve início um inédito "protesto gastronômico", com restaurantes e cafés informando que não aceitariam a presença de nenhum dos 23 senadores que votaram contra a perda de imunidade parlamentar do colega Víctor Bogado, do governista Partido Colorado.
Bogado é acusado de empregar na Câmara de Deputados, a qual já presidiu, uma sobrinha, a mãe dela e a babá de suas filhas. Esta também foi contratada como auxiliar-administrativa na usina binacional de Itaipu, com salário de US$ 1.800.
Na sessão em que o Senado decidiu se Bogado poderia ser processado pelo caso, 23 dos 45 senadores, incluindo o acusado, disseram que não. Como o voto no país é aberto, os cidadãos ficaram sabendo quem não optou pela perda da imunidade.
A churrascaria Un Toro y Siete Vacas, famosa em Assunção, foi a primeira a colocar um aviso de que se reservava o direito de não aceitar a presença dos senadores que votaram a favor de Bogado. Depois, outros estabelecimentos fizeram o mesmo.
A La Pizza Nostra fez um cartaz com a imagem de Vito Corleone, de "O Poderoso Chefão", com os dizeres: "Ei, senadores que não votaram pelo fim da imunidade, a Cosa Nostra [máfia retratada no filme] não lhes admitirá na Pizza Nostra".
Até um salão de beleza entrou na onda do protesto. Mas, diferentemente dos outros locais, o Raio Bemba não proibiu a entrada dos senadores. "São bem-vindos, contanto que nos deixem massagear suas ideias e renovar suas cabeças", diz um cartaz com a foto dos 23, cada um com um penteado diferente.
"Pela primeira vez a sociedade paraguaia foi honesta em sua visão política. Estamos acordando para nossos problemas ", disse à Folha o dono do salão, Tote Pascual.
A pressão das ruas deu resultado. O grupo dos 23 decidiu rever sua posição e deve votar pela perda da imunidade de Bogado em nova votação, marcada para hoje.
Fonte: Folha, 28.11.13.

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terça-feira, 26 de novembro de 2013

Terra Indígena e Identidade: O fio que dá sentido à vida

Damiana agradeceu o modesto socorro que lhe oferecemos e se afastou com a família. É uma mulher miúda, como seus parentes guaranis-kaiowás. No momento, lidera o que restou de sua aldeia: a filha dela, dois adolescentes de idade indefinida e três crianças, além do cachorrinho que só percebi porque ganiu quando alguém pisou nele, no escuro.
O menino de oito anos segurava uma lança um pouco mais alta que ele; o adolescente maior, uma borduna. Será este talvez todo o arsenal de guerra que ainda possuem. Devem saber que as armas não teriam serventia para enfrentar um pistoleiro. Muito menos um bando. Vulneráveis desse jeito -e ainda resistentes. Até o fim. Que convicção sustenta a valentia deles?
Ficamos ainda do lado de fora vendo o grupo sumir na escuridão. Percebi que tinham arrastado uma árvore seca, que até eu sou capaz de remover, para simular um bloqueio à porteira de entrada.
Nosso reforço consistiu em levar lanternas e alguns celulares carregados para que pudessem chamar por socorro -vindo da parte de quem? De nós quatro? Da polícia? -caso os capangas do fazendeiro decidissem cumprir as ameaças que fizeram por três vezes, durante o domingo [10/11].
Do outro lado da estrada, os faróis dos caminhões iluminavam de passagem os fantasmas dos casebres em que eles viviam antes de entrar na fazenda. Se não era para entrarem de volta na terra que o fazendeiro tomara, por que tocaram fogo nas casas dos índios no acostamento?
Essa pergunta é a mais fácil de responder: maldade. Para mostrar quem manda. Além de manchar a perfeição monótona da soja, a simples presença de um acampamento indígena na beira da estrada arranha o sentimento de soberania do fazendeiro.
Vincent Carelli/Divulgação
Os índios guaranis-kaiowás vigiam pequena aldeia próxima à cidade de Dourados, no Mato Grosso do Sul
Os índios guaranis-kaiowás vigiam pequena aldeia próxima à cidade de Dourados, no Mato Grosso do Sul
Não se trata de estética: o esqueleto dos casebres calcinados é muito mais feio do que a presença de gente inofensiva, mas persistente. Vai ver, o que incomoda é justo essa persistência a desafiar a lei do mais forte. A única lei que todos reconhecem na região. Menos os índios.
A razão dos guarani para permanecer na terra é um pouco mais sofisticada. Eles não admitem abandonar seus mortos. Que por sua vez foram assassinados porque se recusavam a abandonar a terra de seus mortos mais antigos -e assim por diante. O fio que dá sentido à vida deles não se rompe com a morte dos antepassados.
Ao contrário: os vivos continuam a se relacionar com os que se foram. Continuam ligados não apenas à memória dos mortos, como nós, mas ao terreno onde morreram e foram enterrados, pois ali eles ainda estão. Não se abandona a terra que abriga os corpos dos antepassados, dos companheiros e filhos, dos que morreram de velhice, de doença ou de tiro, ao proteger o mesmo cemitério indígena onde repousam antepassados ainda mais remotos.
Por isso mesmo a maior maldade que os pistoleiros poderiam ter feito foi sumir com o corpo do cacique Nísio Gomes, no acampamento Guaviry (MS) em 2011, depois de atirarem nele de frente, à queima-roupa. Eles chegaram e chamaram o cacique, que se apresentou de pronto, sabendo que, se fugisse, a família inteira seria atacada.
O corpo foi jogado na caçamba da caminhonete e nunca se soube para onde foi levado. Mais um motivo para o povo do Guaviry não se mover do lugar onde o sangue ficou misturado com a terra.
Não entendi ainda a coragem resignada dos guaranis-kayowás de Mato Grosso do Sul. Será que eles não sabem que suas chances são mínimas?
O que eles reivindicam não é a propriedade, é o pertencimento. Não é a terra "deles", embora saibam que a lei do branco exige papel passado. Não é a propriedade, é a terra à qual eles
pertencem.

Essa língua é mais estrangeira ao capitalista do que a própria língua indígena. A terra não é posse, não se troca por dinheiro, não serve para especular. Serve para você saber quem você é.
Vincent Carelli, o criador do projeto Vídeo nas Aldeias, chama de martírio a disposição de resistência pacífica dos guaranis-kayowás. Pelo jeito, pretendem levar a briga até o fim.

A família de Damiana se afasta em direção aos barracos. Um de nós diz "boa-noite", sem pensar. Isso é coisa que se diga a quem não sabe se vai ter dia seguinte?
Fonte: Folha, 24.11.13.

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500 anos do Príncipe de Maquiavel: A virtude Pagã e a Virtude Cristã na política

JOÃO PEREIRA COUTINHO
O crime de Maquiavel
Existem muitas situações de trevas em que, em nome do bem comum, o Príncipe tem de cometer males
Maquiavel: O nome é todo um programa. E "maquiavélico" é adjetivo que dispensa apresentações.
Quando acusamos alguém de maquiavelismo, não precisamos acrescentar mais nada. O sujeito é imoral, hipócrita, mentiroso, potencialmente violento. Uma mistura de Charles Manson com Hannibal Lecter, digamos. Estaremos a ser injustos com o florentino?
Estamos, sim, responde Michael Ignatieff. Ponto prévio: Ignatieff, um excelente filósofo, andou uns tempos perdido (ou será iludido?) na política canadense. Liderou o Partido Liberal. Disputou eleições. Perdeu. Como normalmente acontece com os filósofos que flertam com a política e são desiludidos por ela, regressou agora aos livros.
Em boa hora: na revista "The Atlantic", Ignatieff celebra os 500 anos de "O Príncipe" (escrito em 1513) e oferece uma das mais preciosas explicações para o desconforto que Maquiavel sempre provocou nas gerações posteriores.
Uma empreitada dessas já tinha sido iniciada por Isaiah Berlin no clássico "The Originality of Machiavelli", que Ignatieff obviamente conhece como biógrafo "oficial" de Berlin.
No ensaio, Berlin começava por listar as múltiplas interpretações que foram sendo urdidas sobre a obra e o autor ("um manual para gangsters", disse Leo Strauss; "um humanista angustiado", disse Benedetto Croce; "um homem de gênio", disse Hegel).
E depois, como é usual nos ensaios mais "escolásticos" de Berlin, o próprio acrescentava a sua interpretação a respeito: o que perturba em Maquiavel não é a defesa da dissimulação ou da violência. Ele não foi o primeiro. Não será o último.
O problema é que Maquiavel mostrou a incompatibilidade absoluta entre duas moralidades distintas na conduta de um político: a moralidade pagã e a moralidade cristã.
Eis a "originalidade" de Maquiavel: quem deseja ser um bom cristão, cultivando as virtudes típicas do cristianismo (perdão, benevolência, compaixão etc.), o melhor que tem a fazer é afastar-se da política. Essas virtudes são boas em si mesmas (Maquiavel nunca negou isso, ao contrário do que se imagina). Mas elas são boas na vida privada dos indivíduos, não na defesa da comunidade.
Em política, são as virtudes pagãs (força, disciplina, magnanimidade etc.) que garantem a sobrevivência do Estado.
Ignatieff aceita o essencial dessa explicação. Mas acrescenta um ponto decisivo que está ausente do ensaio de Berlin e que me parece o mais importante: Maquiavel perturba-nos tanto, 500 anos depois, porque existe em nós a intolerável suspeita de que ele pode ter razão.
Vivemos em sociedade. Desfrutamos de um mínimo de ordem. Queremos ser poupados ao crime e à violência de forma a perseguir os nossos interesses ou ambições.
Mas, ao mesmo tempo, recusamos sequer a hipótese de que muitos dos nossos "ganhos civilizacionais" possam ser mantidos por políticos que "sujam as mãos" e não têm insônias com isso.
Cuidado: não falo de políticos que "sujam as mãos" em proveito próprio. Essa hipótese seria intolerável para um patriota como Maquiavel. Falo de qualquer líder, em qualquer democracia, que muitas vezes usa a dissimulação, a mentira ou a brutalidade para que as insônias não nos perturbem a nós.
Ignatieff dá um exemplo, apenas um entre mil: o momento em que Barack Obama invadiu o Paquistão para capturar e matar Bin Laden. O que diriam os Evangelhos dessa operação? E o que dizemos nós, ao saber que o mundo tem um terrorista a menos --o mais temível e procurado deles?
Maquiavel, falando para a Florença do seu tempo, falou também para as Florenças de todos os tempos. E limitou-se a mostrar o "backstage" do nosso teatro cotidiano. No palco, tudo é luz e fantasia. Atrás do palco, existem muitas vezes situações de trevas em que, em nome do bem comum, o Príncipe tem de cometer males inevitáveis.
No fundo, talvez o problema de "O Príncipe" não esteja no texto propriamente dito, mas no efeito que ele teve sobre a imagem virtuosa que gostamos de cultivar sobre nós próprios.
Alguém dizia que os seres humanos nunca suportaram demasiada realidade. O crime de Maquiavel, 500 anos depois, foi ter insultado a nossa vaidade com esse excesso de realidade.
    Fonte: Folha, 26.11.2013.
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quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Grandeza dos advogados - Sobral Pinto

MARCELO COELHO

Filme sobre a vida de Sobral Pinto relembra período em que profissão contava com mais simpatia das pessoas
O major bateu na porta do quarto do hotel. Quem abriu a porta --estamos em pleno regime militar-- foi o advogado Sobral Pinto.
Tenho ordens, disse o major, para levá-lo preso. O velho Sobral não se intimidou. O senhor tem ordens de um general, disse ele. Entendo que um major obedeça a um general. Mas --e o homenzinho se exaltou-- eu é que não obedeço a ordens suas!
"Preso coisíssima nenhuma!", explodiu o advogado. Ou melhor: "prejo coijíssima nenhuma", terá dito, com as gengivas de quem já tinha mais de 70 anos naquela época.
No comício das diretas da Candelária, em 1984, a mesma vozinha trêmula recitou para centenas de milhares o primeiro artigo da Constituição: "Todo poder emana do povo e em xeu nome xerá ejercido". Sobral Pinto estava com 90 anos.
Um documentário sobre ele entrou em cartaz faz pouco tempo; o Espaço Itaú Frei Caneca exibe-o num único horário, às 18h30.
Dirigido por Paula Fiuza, neta do jurista, o filme é uma oportuna homenagem a um dos cidadãos mais corajosos e íntegros da história republicana. Íntegro demais, talvez, para um documentário completo.
Bem que, no filme, tenta-se mostrar algo que contradiga a imagem do paladino constitucional.
Era passional, desequilibrado, injusto até a medula quando ouvia no rádio um jogo de futebol, contam os parentes. Não ia nunca aos estádios, contudo. Católico das antigas, puniu-se até o fim da vida por ter tido um caso extraconjugal, há muito sepultado, mas nunca esquecido.
Haveria aí bom material para uma obra de ficção: o advogado que luta pelos clientes, que os tira da cadeia, que consegue absolvições, nunca perdoou a si mesmo, nem foi totalmente libertado de suas culpas.
O assunto é abordado de passagem, entretanto, num filme que se concentra, para uso das gerações mais novas, no exemplo incontestável de coerência civil que foi a vida de Sobral Pinto.
Faltam imagens, claro, de épocas mais remotas. Quase só vemos o velhinho de chapéu preto e guarda-chuva. Há fotos, contudo, da atuação de Sobral Pinto quando foi defender Luís Carlos Prestes, encarcerado pela ditadura Vargas.
Como se sabe, o advogado, já com seus 50 anos, invocou a recém-criada Lei de Proteção aos Animais para garantir condições mais dignas ao líder comunista. Talvez tivessem, os dois, algo em comum.
É verdade que Prestes, seguindo a linha do partido, passou a apoiar Getúlio logo em seguida. Podia ser uma contradição do ponto de vista pessoal, coisa praticamente desumana quando se pensa que Getúlio mandou a mulher de Prestes, grávida de sua filha, para morrer num campo de concentração nazista.
Seja como for, estava em jogo uma mesma firmeza de propósitos, uma mesma teimosia, um mesmo sacrifício que, no caso de Prestes, nos horroriza, mas no caso de Sobral Pinto causa admiração. A longevidade desses dois gêmeos, desses dois opostos, talvez se explique um pouco por aí.
Durante a ditadura militar, observa com razão o historiador José Murilo de Carvalho, era provavelmente mais fácil fechar o Congresso do que prender Sobral Pinto. A fragilidade, assim como a velhice, tem suas compensações, e podemos sempre esperar que, em alguns casos, até a truculência tenha seus limites.
Foi o que permitiu, por exemplo, que alguns advogados conseguissem vitórias, obviamente reduzidas, até mesmo em momentos de furiosa repressão militar. Adversários do regime eram presos sem nenhuma ordem judicial, levados sabe-se lá para onde, e submetidos à tortura.
Juridicamente, aquilo era mais um sequestro do que uma detenção. O mecanismo do habeas corpus teve de passar praticamente por uma pirueta interpretativa, pelo que conta um advogado ouvido no filme. Em vez de ser um recurso para libertar o preso, foi usado para que, ao menos, os familiares pudessem localizá-lo --e para que o regime admitisse, oficialmente, tê-lo agarrado sem nenhuma formalidade legal.
Tratava-se, numa palavra, de baderna, feita por militares em nome da ordem e da luta contra a subversão. Memorável, a esse respeito, a frase de outro jurista, acho que Pontes de Miranda, que se recusava a comentar o AI-5, por uma razão bem simples: "o Ato Institucional número 5 não existe".
A beleza, a coragem, o sentido da profissão de advogado saem fortalecidos de "Sobral - O Homem que Não Tinha Preço". O filme vem a calhar hoje em dia.
Durante as ditaduras, há advogados que são verdadeiros heróis. Num regime democrático, quando o lado acusador muitas vezes tem mais razão, o advogado não conta com tanta simpatia.
Ganha mais dos seus clientes, mas paga um preço mais alto. Parece obstáculo, e muitas vezes é, a uma justa punição. Não importa; sem a sua presença, ninguém poderia dizer que a punição foi justa de fato.

BIOGRAFIAS : Grupo que tentou modificar Lei Áurea quer manter censura

Em texto enviado ao Supremo, associação diz que obra sobre RC deve ser 'queimada'
JULIANA GRAGNANIDE SÃO PAULO
Um grupo que ainda não havia se pronunciado sobre a questão das biografias entrou no debate. Anteontem, a "Antiga e Iluminada Sociedade Banksiana (Associação Eduardo Banks)" foi aceita como parte interessada na ação que discute as biografias no Supremo Tribunal Federal.
A entidade é contrária à ação proposta pela Associação Nacional dos Editores de Livros, que classifica como "ostensiva esdruxularia".
Para os editores, a exigência de autorização prévia para publicar biografias, norma vigente, é inconstitucional.
O criador da entidade é o carioca Eduardo Banks, definido no texto enviado à Corte como "filósofo, dramaturgo e compositor". Ele foi candidato a vereador no Rio pelo PTB em 2006. Em 2010, propôs uma alteração à Lei Áurea, de 1888, com o objetivo de indenizar descendentes de proprietários de escravos.
Mais tarde, a Sociedade Banksiana também participou do julgamento sobre a união homoafetiva. A entidade se opõe à causa.
No texto enviado ao Supremo, o grupo de Banks pede a anulação da ação dos editores e os acusa de formar uma associação só para entrar com o processo na Corte.
O documento também diz que a biografia "Roberto Carlos em Detalhes", proibida pelo músico em 2007, "bem merece ser queimada" por ser "um livro ofensivo à honra e à imagem de um artista respeitado e reconhecido".
A reportagem tentou entrar em contato com Banks anteontem, por telefone. Sua mãe afirmou que ele não estava e que poderia atender no dia seguinte. Ontem, ninguém atendeu.
A Associação Eduardo Banks é a quarta entidade a entrar como interessada no processo. Há o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a ONG Artigo 19 e a Academia Brasileira de Letras, que tentam derrubar os artigos 20 e 21. O Procure Saber, de Caetano e outros artistas, não entrou no processo.
Anteontem, o STF divulgou a lista dos primeiros expositores da audiência pública sobre o tema, que deve ocorrer amanhã e sexta. O próprio Banks deve falar pela associação. Além dele, estão a presidente da Academia Brasileira de Letras, Ana Maria Machado, o deputado federal Newton Lima (PT-SP) e o pesquisador e colunista da Folha Ronaldo Lemos.
Fonte: Folha, 20.11.2013.

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Cotas raciais podem ser insuficientes no Brasil - ENTREVISTA - MELDON HOLLIS

Modelo funcionou nos EUA porque negros são minoria, diz diretor da Casa Branca
SABINE RIGHETTIDE SÃO PAULO
O Brasil não pode copiar o modelo de inclusão racial no ensino superior dos Estados Unidos porque os contextos desses países são muito diferentes. A opinião é de Meldon Hollis, diretor da Iniciativa da Casa Branca para Universidades e Faculdades Historicamente Negras.
Nos EUA, os negros criaram suas próprias instituições de ensino porque não podiam frequentar as escolas dos brancos. Hoje há 110 escolas para negros. Depois, vieram as cotas para incluir aqueles que eram uma minoria (10% da população).
No Brasil, não faz sentido incentivar a criação, agora, de escolas negras. E as cotas podem ser insuficientes, diz ele, porque os negros são, aqui, metade da população.
Hollis esteve no Brasil para participar do festival Flink Sampa Afroétnica, da Faculdade Zumbi dos Palmares. Enquanto passou por aqui, ele conversou com a Folha.
-

Folha - O governo dos EUA tem a intenção de receber mais jovens negros do ensino superior do Brasil?

Meldon Hollis - Sim. A ideia é estreitar relações e estimular o intercâmbio de jovens afrodescendentes do Brasil às cerca de 110 universidades negras americanas.
A maioria dos estudantes negros brasileiros estudou em escolas públicas, que são mais fracas e tem inglês muito ruim. Então, esses alunos precisam de um suporte adicional. A ideia é enviar esses estudantes no verão [em maio] para que eles passem de dois a três meses estudando inglês e, depois, comecem as aulas regularmente [em setembro, início do ano letivo].

O que o senhor acha do modelo de cotas do Brasil?
Não saberemos se as cotas vão funcionar até que passe um tempo mínimo para que seja feita uma avaliação. Sabemos que esse modelo trará algum progresso. Mas não sabemos se trará a solução para o problema de divisão racial.
O Brasil não é os EUA. Nos Estados Unidos, apenas 10% da população é negra, enquanto no Brasil 50% são afrodescendentes.
Não é possível que metade da população fique fora da economia do país. Precisamos ter um progresso imediato no sentido de reduzir a desigualdade racial por aqui.
Uma coisa diferente nos EUA é que as pessoas negras têm suas próprias instituições desenvolvidas por eles próprios porque a educação era totalmente segregada. Essas instituições existem há cerca de 150 anos. Muitos líderes negros saíram dessas escolas, como Martin Luther King. No Brasil, é diferente.


No Brasil, há só uma instituição de ensino superior negra, a Faculdade Zumbi dos Palmares. Por que o modelo não pegou?
A história dos EUA é diferente. As escolas para negros foram criadas para educar os negros que não podiam frequentar as escolas após a abolição. No Brasil, há boas instituições de ensino superior e a sociedade nunca foi segregada. Não foi preciso criar novas instituições.

Como um aluno negro nos EUA escolhe entre uma escola para negros ou uma "regular"?
Hoje, somente 10% da população negra escolhe escolas de negros, assim como há quem escolha escolas católicas ou para judeus.
Minha filha escolheu uma faculdade para negros e meu filho escolheu uma escola regular. Ele não gosta da escola para negros, mas ela se sente muito confortável na instituição. Eu gosto da experiência que os dois estão tendo.
    Fonte: Folha, 20.11.2013

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Moisés Naim - O fim do poder

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(O poder está cada vez mais fácil de obter, mas difícil de usar e mais fácil de perder)


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Canadá: A Terra da Segunda Chance e a Tragicomédia em Toronto

Tragicomédia em Toronto
"Não tenho nada a esconder", garante um prefeito acuado
Toronto
A megacidade multicultural de Toronto está crescendo tão rapidamente que sua administração mal consegue acompanhá-la.
A tragicomédia da sua liderança ao longo dos anos tipifica suas dores do crescimento.
Mel Lastman, primeiro prefeito da Grande Toronto, manifestou publicamente essa preocupação antes de viajar ao Quênia para acompanhar a frustrada candidatura local a sede da Olimpíada de 2008: "Eu me vejo simplesmente num caldeirão de água fervente com todos esses nativos dançando ao meu redor".
Giorgio Mammoliti, outro ocupante da prefeitura, certa vez propôs que os militares fossem mobilizados para impor um toque de recolher a adolescentes e que a ilha de Toronto, localizada no lago Ontário, em frente ao centro da cidade, fosse transformada em zona de prostituição.
E agora Toronto tem o prefeito Rob Ford -um sujeito grosseiro, beberrão, homofóbico, fumador de crack e metido a valentão, sempre propenso a regurgitar comentários racistas ("Esses orientais trabalham feito cães, eles dormem ao lado das suas máquinas", disse certa vez).
No entanto, a despeito do que o prefeito diga ou faça, seus adversários continuam frustrados, e os apoiadores da "Nação Ford" não se abatem: depois de o prefeito ter recentemente admitido que fumou crack, sua popularidade aumentou quatro pontos percentuais.
O que todo habitante de Toronto sabe é que há mais notícias pela frente. Um vídeo amplamente divulgado em que Ford aparece xingando e ameaçando alguém de morte indica que ainda poderá haver outras revelações sinistras. Para a maioria da população, não resta nada a fazer além de baixar a cabeça e aguentar firme enquanto o prefeito se aferra ao cargo e insiste contra todas as expectativas racionais: "Não tenho nada a esconder".
Ford e o desafiador grupo de canadenses que ele representa não existem num vácuo. Eles são parte de um fenômeno, velho de uma década, pelo qual canadenses de direita, tendo seus ressentimentos por tanto tempo ignorados, rejeitam as ideias liberais sobre o sentido de comunidade, em nome de um benefício próprio desenfreado. Empregos, menos impostos e economia são o mantra desse eixo conservador presente nos governos municipais, provinciais e federal.
A conduta moral é irrelevante para a plataforma que Ford representa. Em 2010, ele ganhou com facilidade a eleição em Toronto ao prometer acabar com a "mamata" na prefeitura e "respeitar o contribuinte". O linguajar é revelador. Conservadores como Ford falam em "contribuintes", não em cidadãos, grupo que exclui qualquer um que não tenha condição de pagar impostos ou que usufrua dos seus benefícios.
Os subúrbios e as cidades-dormitórios formam a base eleitoral de Ford. Esses não são apenas lugares onde os conservadores brancos tradicionais residem, mas são também a primeira parada de neocanadenses fartos dos paradigmas liberais que apresentam os imigrantes como recém-chegados que deveriam estar gratos por serem resgatados no Canadá, a Terra da Segunda Chance. Esses novos suburbanos não querem ser associadosaos menos afortunados, nem que seus impostos os ajudem simplesmente porque a cor da sua pele é igual. Como o resto da Nação Ford, eles querem escolher aquilo pelo que pagam, e nada mais.
Esse materialismo está agora entrincheirado em um país desproporcionalmente afortunado. No resto do mundo, as campanhas políticas são travadas em torno de questões como guerras e vazamentos de segurança. Mas uma das mais recentes iniciativas do primeiro-ministro Stephen Harper foi uma promessa a assinantes de TV a cabo de que eles poderão escolher canais individuais, em vez de precisar comprá-los em pacotes.
Ford e Harper, frequentemente fotografados juntos, falam a mesma língua, embora o primeiro-ministro lide com mais galhardia com seus próprios escândalos. No entanto, o prefeito de Toronto agrada à sua base eleitoral justamente por parecer um homem comum, com falhas que parecem familiares e até sedutoras. Ele é o técnico obeso de um time colegial de futebol americano, incapaz de entrar em campo e jogar, mas que, quando um importante programa jornalístico liga, ele bate o telefone, porque os meninos estão jogando e ele tem um trabalho a fazer. Ele é o beberrão que urina em um parque público (como certamente todos os homens já fizeram), mas que é perseguido por jornalistas até na sua propriedade.
Suas negativas e evasivas são do tipo "pego no flagra": "Eu não fumei crack, sério, não fumei. Ok, ok, sim, fumei, me perdoem. Foi só uma vez". Ford é um desastre ambulante e suarento, e o constrangimento da cidade é compensado só ligeiramente por vê-lo sendo ridicularizado nos programas de fim de noite da TV americana ou por visitantes fazendo piadas que os canadenses são educados demais para fazer.
Esse arraigado senso de decoro, totalmente ausente no prefeito, aflige seus críticos. Porque até os mais indignados dos seus adversários, em alguma parte desse enredado ser canadense, lamentam pelo prefeito e estão dispostos a relevar. Logo eles vão se arrepender, e aí baixarão a cabeça e aguentarão firmes.

Chile: Reformas serão limitadas por entraves contidos no sistema político do país ("As mudanças não estão no La Monedas, mas nas Alamedas")

ADRIÁN ALBALAESPECIAL PARA A FOLHA
O que estava em jogo na disputa eleitoral chilena ia além da designação do próximo presidente do país.
Michelle Bachelet, assim como outros candidatos de posição mais à esquerda, pretendiam convencer os chilenos de obter as "maiorias qualificadas", requeridas pela Constituição chilena.
Desta forma, poderiam realizar as mudanças políticas e institucionais que vêm sendo demandadas pela sociedade civil nas grandes mobilizações sociais que marcaram o país desde 2010. No entanto, dois elementos têm dificultado essa possibilidade.
Primeiro, o sistema eleitoral chamado de "binominal", herdado da Constituição aprovada sob a ditadura de Pinochet, dificulta a formação destas grandes maiorias.
Neste sistema, cada distrito eleitoral designa dois representantes. Em cada distrito, para levar ao Congresso dois deputados ou senadores, a lista que sai em primeira posição precisa ter pelo menos o dobro de votos da lista que chega em segundo.
Caso esta proporção não se cumpra, cada lista elege apenas um representante.
Se em nível nacional Bachelet conseguiu maioria nas duas casas do Parlamento, a margem é insuficiente para produzir as grandes reformas que requerem quórum qualificado.
Contudo, a maioria parlamentar conseguida por Bachelet lhe permitirá provavelmente realizar a reforma da educação no Chile e a adoção da gratuidade nas universidades publicas.
Porém, se durante a votação se chamou simbolicamente à realização de uma Assembleia Constituinte com a inscrição das letras "AC" no boletim de voto, esse chamado foi seguido apenas por 8% dos votantes.
Recordemos, também, que a Constituição chilena não permite a realização de plebiscitos nem referendos, o que significa que qualquer reforma constitucional deve passar pelo Congresso.
Resumindo, a tão desejada reforma eleitoral e, sobretudo, a adoção de uma nova Constituição parecem estar muito comprometidas.
Outro elemento que dificulta a possibilidade de grandes reformas é a baixa participação da população, pois apenas 49% dos chilenos aptos a votar compareceram.
Isso confirma os numerosos estudos sobre a desafeição dos chilenos pela política e partidos, já apresentados por diversas enquetes internacionais.
Assim, a abstenção foi a principal vencedora dessas eleições, dentro de um novo contexto eleitoral onde o voto passou a ser facultativo

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Jaime Durán Barba - Marqueteiro equatoriano (Macri e Calderón)

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Eugenio Tironi: "Al presidente Piñera los chilenos lo vamos a despedir con un aplauso"

Sobre la recta final de Piñera en el gobierno sostiene que "va a salir con bastante conformidad". El sociólogo plantea que "Allamand resistió bien la entrada" del candidato UDI, y que Lavín es un liderazgo con desgaste.
El viernes, menos de 24 horas después del último remezón en la campaña para las primarias presidenciales, que se detonó tras la salida de Luciano Cruz-Coke y Joaquín Lavín para integrarse a las campañas de Andrés Allamand y Pablo Longueira, respectivamente, el sociólogo Eugenio Tironi participaba como panelista junto a Álvaro Vargas Llosa, Genaro Arriagada, Hernán Felipe Errázuriz, entre otros, en la charla “A 40 años del golpe, el estado de la democracia en América Latina”, en la Universidad Finis Terrae.

Tras su intervención en el seminario, Tironi ahondó en el escenario generado en el oficialismo, en la primaria de la oposición y lo que espera de los últimos nueve meses de la gestión de Sebastián Piñera en La Moneda.

Quedan tres semanas para la primaria presidencial. ¿Usted ve claro el panorama?

En el caso de la oposición la incógnita es quién sale segundo y por cuánto gana Bachelet, pero no creo que haya sorpresa. En la Alianza yo creo que está mucho más abierto el panorama. Yo suponía que Longueira tenía mucha chance, pero esto de que tenga que sacar a Lavín y ponerlo en la campaña significa que las cosas no andaban tan bien.

¿Quién gana más, Allamand con Cruz-Coke o Longueira con Lavín?

Mi impresión es que Allamand con Cruz-Coke, por lejos.

¿Eso bajo la lógica de los liderazgos más carismáticos?

Y además el liderazgo de Lavín es un liderazgo que ya ha sufrido su desgaste, son muchos años en los cuales tampoco se ha reinventado y, además, no suma algo a Longueira, porque son dos políticos, mientras que Cruz-Coke le suma a un político como Allamand un carisma diferente, más juvenil, más de centro, ligado al mundo de la cultura.

¿No va a haber una primaria estrecha en la Alianza entonces?

Va a ser estrecha, va a ser fotográfico, muy cerrada.

¿A quién le ve más posibilidades?

Yo creía que Longueira iba a tener una entrada más espectacular de la que tuvo, todavía está curando las heridas en la UDI, esta manera autoritaria de instaurar la plantilla parlamentaria ha tenido sus costos. Allamand resistió bien la entrada de Longueira, hizo los ajustes, y tal cual veo hoy las cosas yo apostaría más por Allamand que por Longueira.    

Usted planteaba que el término socialismo moderado podría incluso atribuirse a Piñera por lo que ha hecho en su gobierno. ¿Por qué cree esto?

Yo creo que la gran virtud del gobierno de Sebastián Piñera es que rompió la dicotomía socialismo versus liberalismo y libertad versus colectivismo, porque ha sido un gobierno apoyado por la derecha política, formado por empresarios, ejecutivos y consultores de empresas, todos ellos exitosos en su actividad privada y que estando en el gobierno han sido totalmente continuadores de reformas de carácter social demócrata que impulsó en el pasado la Concertación, incluso las radicalizó, como el postnatal, impuestos, royalty, Sernac financiero, protección del consumidor, entonces está en las antípodas del discurso neoliberal que es libertad del consumidor no protección por el Estado. Hay más exigencias ambientales, más Estado, bonos. Como bien dice Jovino Novoa y otros prohombres de la derecha más ortodoxa, este gobierno ha acentuado el curso que traía Chile, no lo ha modificado.

¿Cómo se explica entonces la divergencia entre un gobierno que se plantea a través cifras como exitoso económicamente, pero mal en las encuestas?

Yo creo que la gente en Chile dejamos de pensar que la economía depende de los gobiernos, ese es un gran triunfo de las ideas liberales, pensamos que la economía depende de factores internacionales, con el trabajo de cada uno de nosotros, con factores que no dependen estrictamente del gobierno, porque también tenemos una presidenta como Bachelet, que enfrentó la crisis más grave de los últimos años y su popularidad se disparó, entonces hay un desacoplamiento entre el curso que tiene la economía y la popularidad de los gobernantes. A los gobernantes hoy día no se les exige ni se les premia de acuerdo a cómo anda la economía, yo creo que se les exige y se les premia de acuerdo a lo cercanos que son, de acuerdo a cómo proyectan hacia el futuro las aspiraciones de las personas que van más allá de la economía. No somos simples animales productivos, somos animales que tenemos muchos oros intereses.

La última Adimark puso a Piñera con 40% de aprobación, la cifra más alta en dos años. ¿Es su techo o puede seguir creciendo?

Esto justo coincide cuando la economía se empieza a ralentizar, entonces eso comprueba que el desacoplamiento es concreto. El alza tiene que ver con que anunciado cosas que a la población le viene bien porque ha tenido un comportamiento muy moderado el presidente Piñera y, además, porque está ya terminando (su período) y creo que los chilenos somos educados, civilizados, y despedimos a la gente con un aplauso después de su actuación y aunque no haya convencido la despedimos con aplauso y al presidente Piñera los chilenos lo vamos a despedir con un aplauso, porque por lo demás su actuación ha sido bastante correcta, nadie puede decir que ha hecho un mal gobierno y creo que va a subir aún más en las encuestas y el presidente Piñera va a salir con bastante conformidad.

Siempre se habla de pato cojo en la recta final de los gobiernos. El jueves salió Allamand y Lavín del gabinete. ¿En qué pie queda el presidente entonces? Sus cercanos dicen que gobernará con fuerza hasta el último día.

En los meses que vienen podríamos encontrarnos con que se logren acuerdos sobre dos materias estratégicas para el futuro, como el binominal y la política energética. Si el gobierno y el presidente emplean su liderazgo para sacar eso adelante creo que sería una cosa muy positiva y podría ayudarle mucho a dejar el gobierno con un nivel popularidad más alto.
Fonte: http://www.pulso.cl/noticia/actualidad-politica/politica/2013/06/5-24127-9-eugenio-tironi-al-presidente-pinera-los-chilenos-lo-vamos-a-despedir-con-un.shtml

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Cordialidade brasileira - Medos privados em lugares públicos

Medos privados em lugares públicos


HELOISA STARLING
LILIA MORITZ SCHWARCZ
ilustração RAPHAEL BORDALLO PINHEIRO
RESUMO "Raízes do Brasil", publicado por Sérgio Buarque de Holanda há quase 80 anos, diagnosticou na cordialidade a rede de relações privadas que comanda a cena pública do país. O homem cordial, símbolo da fluidez entre as duas esferas, reaparece no debate sobre as biografias ao reivindicar para seus desejos o amparo da lei.
*
No Brasil, a vida privada ocupa ainda hoje o papel de nossa principal referência. A interpretação mais frequente desse fenômeno aposta na ideia de que a ancoragem no privado é sinal de maturidade democrática. O suposto é que essa expansão democrática se sustenta em direitos e, uma vez que os direitos são respeitados, não há motivo para maior preocupação.
Tal abordagem converge com o fortalecimento da ideia do indivíduo como personagem de si mesmo e tem sido recorrente para explicar tanto a importância que atribuímos a certa escrita autorreferencial quanto para sustentar o argumento de que só quem viu, sentiu e experimentou pode registrar a verdade dos fatos vividos.
Visto pela perspectiva do mundo privado, cada um de nós seria, ao mesmo tempo, autor e editor de uma escrita de si: apenas o indivíduo -e sua memória- seria capaz de ordenar, rearranjar e significar o trajeto de uma vida no suporte de um texto e disso criar uma narrativa; e apenas ele, que conhece a autenticidade de suas ações e emoções, estaria autorizado a expressá-las para si e para os demais.
Contudo entre as quatro paredes da vida privada se perde muito. Refugiados na intimidade, os indivíduos desfrutam o privilégio de ter seu pequeno mundo só para si; mas falta-lhes uma forma específica de convivência que se define pela presença do outro e pela possibilidade de ser confrontado com suas opiniões. E porque lhes falta, acima de tudo, a liberdade do falar uns com os outros e uns contra os outros, uma única versão acaba por servir como padrão de verdade, seja para medir a própria vida, seja para pensar a sociedade ou narrar a história do país.
Foi preciso um jovem modernista, indeciso entre a crítica literária e a historiografia, escrevendo sob o impacto das transformações da Era Vargas, para argumentar que, no Brasil, a complexa rede de relações pessoais e privadas comanda a sociabilidade dos brasileiros na cena pública. Mais do que isso: esse comando não traduz a potencialidade de uma esfera privada bem definida; ao contrário, torna evidente que, entre nós, público e privado nunca existiram plenamente; ou melhor, variam em função da situação, do contexto, do status e até do momento.
Em fins de 1930, esse jovem modernista, Sérgio Buarque de Holanda, então com 28 anos, voltou ao Brasil, depois de uma temporada na Alemanha enviando reportagens para "O Jornal".
Raphael Bordallo Pinheiro/Reprodução
Em desenho de 1880, d. Pedro 2º, à paisana, tenta esconder traje real
Em desenho de 1880, d. Pedro 2º, à paisana, tenta esconder traje real
Em Berlim, Sérgio acompanhou a agitação política da República de Weimar e o crescimento do partido nacional-socialista, assistiu sem nenhuma regularidade a aulas de história na universidade, traduziu legendas de filmes para ganhar uns trocados -entre eles "O Anjo Azul", de Sternberg, com Marlene Dietrich- e caiu na farra. Não se sabe bem como, ainda arrumou tempo para escrever: trouxe, na mala, o esboço de um ensaio intitulado "Teoria da América", com cerca de 400 páginas manuscritas.
O ensaio sobreviveu, mas alterado pelo impacto da modernização do país nos anos 30, trocou de enfoque e foi publicado como livro, em 1936. "Raízes do Brasil", o livro, nasceu cercado de mal-entendidos e de muita polêmica e se transformou numa obra decisiva de interpretação histórica e de análise sobre os dilemas irresolutos da formação social brasileira.
CORDIALIDADE
Quase 80 anos depois, "Raízes do Brasil" ainda oferece um instrumental crítico para entender o país. O livro diagnostica na cordialidade o traço definidor da nossa cultura e, no seu agente mais famoso -o homem cordial-, um risco para a construção da vida democrática.
Dominado pelo coração, mobilizado pelo fundo emotivo de seus afetos, o homem cordial é uma anomalia política por sua particular compreensão do mundo público, contaminada, desde o início, pela compulsão que ele sente de estender seus direitos individuais sobre esse mundo, fazendo dele um mero apêndice, o prolongamento de seus interesses particulares e de suas relações pessoais.
Habituado a transpor quase naturalmente a lógica do mundo privado à cena pública, o homem cordial é um personagem inquietante: ele só consegue viver em uma "pólis" caricata, que se coloca a serviço da proteção narcísica dos cidadãos e se mantém desperta por conta do imediatismo emocional de seus membros.
"Raízes do Brasil" traz um alerta contra o apego aos "valores da personalidade" cultivados pelo homem cordial e contra a maneira como esses valores incidem sobre as diversas instâncias do Estado, dos partidos políticos, das instituições do mundo público.
Essa insistência na manutenção de práticas próprias ao privado sobre o que é comum a todos quem sabe signifique dar continuidade a certa forma de sociabilidade da escravidão que sobreviveu alterada no clientelismo rural e resistiu à urbanização, quando a classificação hierárquica manteve-se sustentada por fortes laços pessoais. Seria a cordialidade, talvez, a singularidade da nossa colonização ibérica, marcada por vínculos pessoais, que tornam fluidas delimitações e diferenças entre esferas públicas e privadas de atuação.
Essa fluidez impede ao homem cordial adquirir a necessária condição de abstração para sustentar a ideia de que a democracia não é só um regime político mas uma forma de sociedade, cujo princípio normativo está na noção de que pessoas obrigadas a obedecer às leis devem ter igual direito, a despeito das diferenças entre elas.
A mesma fluidez o impede de aceitar o catálogo republicano das liberdades irredutíveis e o leva a relativizar as diferenças que separam sua cena privada e o mundo público, para assegurar seus interesses particulares, solicitar privilégios e prover a censura.
BIOGRAFIAS
Com tudo isso, Sérgio Buarque talvez se espantasse com a maneira como o homem cordial reapareceu na agenda do dia, disposto a marcar o debate sobre o tema das biografias e a reivindicar para suas demandas e desejos individuais o amparo da lei.
Naturalmente, seus pontos de vista são emanados diretamente do mundo privado: o papel de vítima assumido pelo homem cordial no debate não deixa de ser uma escolha vantajosa. A perpetuação desse papel mantém os termos imaginários de uma injustiça cometida entre indivíduos; já o desejo de compensação, sobretudo monetária, não busca a transformação das condições que produziram o prejuízo, mas a garantia de que ele possa beneficiar-se dessas condições, sempre como vítima.
Com um ponto de vista vindo da privacidade, o homem cordial defende ser mais seguro para todos aceitar a premissa de que existe uma oposição entre o mundo público e a vida privada e que essa oposição equivale à diferença entre o que deve ser conhecido e o que deve ser ocultado. A premissa é mais do que duvidosa.
As duas esferas -o espaço íntimo, o mundo comum- somente podem subsistir sob a forma de coexistência. Mais do que isso: a definição do público e do privado é, na verdade, o desenho de uma fronteira dentro da qual se abrigam, conectam e se desenrolam dimensões diferentes de nossas vidas. Privado e público só se definem um em relação ao outro.
Não é difícil perceber, dentro dessa fronteira, os modos como se flexiona o privado. Historiadoras que somos, vamos a um exemplo retirado da nossa história.
Um rei sabidamente, e até hoje, não tem escapatória: sabe que é sempre, e desde que nasce, figura pública. Seu casamento é um contrato de Estado; sua morte é sempre anunciada por uma nova vida; os filhos são antes de mais nada herdeiros; e seus diários íntimos não passam de peças públicas.
Pedro 2º, por exemplo, ciente de sua condição, guardou para si o que queria preservar e permitiu a exposição, e até utilizou-se dela, quando devia e queria. Ele era visto por todos, todos falavam dele e nem sempre falavam bem. A sátira da época fez de Pedro 2º objeto permanente: suas pernas finas, sua voz estridente, aguda demais para sua altura, maior do que a da média dos brasileiros, tudo foi motivo para chacota de cartunistas como Angelo Agostini.
E o que dizer do chargista Raphael Bordallo Pinheiro? O português, pouco após a espinhosa promulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871, publicou uma brochura em que ridicularizava a mania de movimento do imperador (que não parava de viajar) e debochava da lei polêmica: "No Razilb, seu rei é tão bom que libertou os filhos na barriga (mas não as mães, que por certo não ficaram nada satisfeitas)".
Não se trata de apresentar um personagem excepcional; d. Pedro apenas sabia que algumas pessoas -como os monarcas, os artistas, os cientistas, as celebridades, os políticos- têm um pacto com o público. Só é rei quem não perde a realeza; sejam reis monarcas, reis do futebol, reis momos do Carnaval e reis da canção.
Uma biografia é a evidência mais elementar da profunda conexão entre as esferas pública e privada -somente quando estão articuladas essas esferas conseguem compor o tecido de uma vida, tornando-a real para sempre.
Escrever sobre uma vida implica interrogar o que os episódios de um destino pessoal têm a dizer sobre as coisas públicas, sobre o mundo e o tempo em que vivemos. E a tarefa de julgar, dizia Hannah Arendt, não é prerrogativa do biógrafo nem do biografado: é privilégio dos outros. Na composição da biografia cabem os grandes tipos, os homens públicos, as celebridades; cabem igualmente personagens miúdos, quase anônimos. Em todos os casos, porém, não cabe tarefa fácil: é muito difícil reconstituir o tempo que inspirou o gesto.
É preciso calçar os sapatos do morto, na definição preciosa de Evaldo Cabral, para penetrar num tempo que não é o seu, abrir portas que não lhe pertencem, sentir com sentimentos de outras pessoas e tentar compreender a trajetória de uma vida no tempo que lhe foi dado viver; as intervenções que protagonizou no mundo público de sua época com os recursos de que dispunha; a disposição de viver segundo as exigências desse tempo, e não de acordo com as exigências do nosso tempo.
O historiador anda sempre às voltas com a linha difusa entre resgatar a experiência dos que viveram os fatos, reconhecer nessa experiência seu caráter quebradiço e inconcluso, interpelar seu sentido. Por isso, a biografia é um gênero da historiografia e é essencial para compreendermos os brasileiros que fomos e os que deveríamos ou poderíamos ser. Essa história é pública e ao público pertence.
HELOISA STARLING, 55, é professora titular de história na UFMG.
LILIA MORITZ SCHWARCZ, 55, é professora titular de antropologia da USP.
RAPHAEL BORDALLO PINHEIRO (1846-1905), ilustrador e ceramista português.
Fonte: Folha, 03.11.2013.

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